CONCERTO: “Jangada” | Mário Laginha Trio
Auditório de Espinho
11 Fev 2022 | sex | 21:30
Depois de “Espaço”, um disco de 2010 que relaciona a música com o universo da arquitetura, e de “Mongrel”, de 2013, uma irreverente leitura das composições de Frédéric Chopin, o Mário Laginha Trio está de volta com “Jangada”, plataforma flutuante que, livre e leve, viaja ao sabor de brisas calmas, afastando-se desta persistente nuvem negra que, nos últimos dois anos, vem teimando em roubar-nos o sol. Ancorado em composições de extraordinária riqueza rítmica e melódica e na mestria interpretativa do pianista Mário Laginha, do contrabaixista Bernardo Moreira e do baterista Alexandre Frazão, “Jangada” mostrou-se ao mundo pela primeira vez em Espinho, num Auditório repleto de entusiastas desse grande género musical que é o Jazz. Ao longo de uma hora e meia, o trio apresentou seis dos onze temas que compõem o novo disco, completando-os com quatro outros temas de trabalhos anteriores, o último dos quais já no encore. O saldo não poderia ser mais entusiasmante e permite afirmar que “Jangada” tem lugar seguro entre o melhor Jazz alguma vez feito no nosso país.
Tema inaugural, “Short Shore” viria a marcar o concerto de forma indelével, pela sua harmonia e envolvência, pela sua versatilidade e riqueza de sonoridades, a voz própria de cada instrumento a oferecer ao todo muito mais do que a soma das partes. Sob a escuta atenta e cuidada da bateria, o piano sabe oferecer ao contrabaixo o devido tempo para que o seu natural encanto se revele num cântico airoso e vivo. Se reticências houvesse ao enorme momento musical que acabáramos de viver, as mesmas desfizeram-se em definitivo com o belíssimo “Efedra”, tema de um raro lirismo a fazer-nos sobrevoar campos verdejantes pintalgados de flores de mil cores e lagos de um azul intenso e refrescante. “Disquiet” foi, também ele, um forte momento de Jazz, a voltagem rítmica mais intensa, a cumplicidade entre os instrumentos mais íntima e profícua.
Depois da beleza dolente de “Tanto Espaço”, que o grupo foi buscar ao seu primeiro álbum, abraçámos “The Stone Raft” (“Jangada de Pedra”) com a certeza numa viagem de prazer e descoberta por espaços seguros e livres. Uma longa viagem de mais de dezoito minutos, marcada pelo mistério que se desprende dos acordes de carácter tribal que a pontuam e que evoluem para paisagens de diversas texturas, ora densas e borbulhantes, ora leves como o ar fino das altas montanhas da Ásia. Na parte final do concerto, entre dois temas mais antigos, tempo ainda para “Seven”, um devaneio que nos trouxe para ambientes mais urbanos e nos pôs a mexer graças à vivacidade da bateria de Alexandre Frazão, e para “Ribeira da Barca”, um tema que remete para uma pequena aldeia piscatória da Ilha de Santiago, em Cabo Verde, terra-natal do guitarrista Tcheka, com quem Mário Laginha tem desenvolvido uma interessante cumplicidade musical. Suave e delicado, é um tema que se escuta de olhos fechados, que nos faz sentir bem e convida a sonhar. A pedra de toque numa “Jangada” para quem o céu é o limite.
[Foto: Auditório de Espinho - Academia | facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
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