TEATRO: “Menina Júlia”,
de August Strindberg, com poemas de Caio Gabriel e Roberto Piva
Tradução | Augusto Sobral
Encenação | Renata Portas
Espaço cénico | Leonie Kohut
Desenho de luz | Mário Bessa
Figurinos | Jordann Santos
Interpretação | Ana Cris, Sílvia Santos, Pedro Damião
Produção | Público Reservado
120 Minutos | Maiores de 16 anos
Teatro Carlos Alberto
16 Fev 2022 | qua | 19:00
Sendo “Menina Júlia”, do dramaturgo sueco August Strindberg, um drama psicológico assaz complexo e difícil, pode parecer um paradoxo que esta seja também, tanto tempo passado, uma das peças mais frequentemente representadas. A explicação estará no desafio que é, tanto para encenadores como para actores, trabalhar as personagens e as relações de poder entre si em dimensões com tanto de complementar como de distinto, mas também no facto de estarmos perante um texto que não perdeu nada da sua verdade. Foi com estes pressupostos em mente que Renata Portas e o projecto “Público Reservado” se debruçaram sobre a peça, fazendo-a assentar num trabalho de actores com uma forte componente vocal, quase operática, e num dispositivo cénico que contrabalança a nudez do palco com um desenho de luz notável e com o recurso a uma DJ para, com a sua voz e a sua música, acentuar o dramatismo da peça.
A história é conhecida. Filha de um conde, a menina Júlia decide, na ausência da família, celebrar o S. João no seu palácio com os criados. No curto espaço de uma noite irá seduzir, repelir e ser repelida por um deles, João, sob o olhar atento de Cristina, cozinheira do palácio e noiva do criado. Júlia e João são faces de uma mesma moeda e, talvez por isso, a atracção e a rejeição entre ambos se revele de forma tão intensa. Trabalhar o tema pode parecer simples, mas não é. E ainda que o texto se mantenha vivo e actual, há adequações que se impõem para o “vestir” de contemporaneidade, sem que perca o tom naturalista que o dramaturgo lhe conferiu, bem como as necessárias notas de moderação, integridade e maturidade. É precisamente isto que Renata Portas não alcança. A sua “Menina Júlia” nem em contexto de um manicómio pode ser vista como moderada e quanto a integridade e maturidade atente-se nos primeiros dez minutos da peça, dez minutos “a dar música”, para ficarmos conversados. Aqui, tudo é projectado, apoiado, exagerado.
No papel de João, um expressivo Pedro Damião grita metade do tempo. Ora o faz a uma velocidade vertiginosa, como se estivesse a relatar um decisivo Porto - Sporting, ora é irritantemente lento, as sílabas batidas com a voz distorcida, as palavras ininteligíveis, os diálogos incongruentes. Pelo meio, relinchos e latidos misturam-se com parafasias e alucinações verbais totalmente descontextualizadas e que levantam no espectador dúvidas quanto aos propósitos da encenação. Júlia, interpretada por Ana Cris, não é menos entediante nos seus excessos, num momento parecendo encharcada de Valium e no momento seguinte acabada de emborcar dez cimbalinos de rajada. De Sílvia Santos, na figura de Cristina, nem vou falar, tão previsível se mostra num papel secundário. Os poemas de Caio Gabriel e Roberto Piva, tal como alguma da música brasileira que é passada, são muito bons. Só não se percebe que caiam assim de para-quedas, soando a falso na suposta “modernidade” da peça. Uma tragédia num acto (para não dizer outra coisa).
[Foto: Teatro Nacional de S. João | tnsj.pt]
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