LIVRO: “O Plantador de Abóboras”,
de Luís Cardoso
Ed. Abysmo, Novembro de 2020
“Plantamos durante o ano inteiro; plantas, pedras, animais, casas e pessoas. Também abóboras. Planto-me nesta cadeira de lona a ouvir o grasnar de um ganso, apesar de desaparecido há tanto tempo, ainda se pode escutar a sua voz, nesta varanda. Como é bom ter uma varanda virada do avesso. Como é bom ter uma varanda virada para dentro de mim. Olho os corredores extensos que me atravessam o corpo por inteiro, de uma ponta à outra. Vejo a sala iluminada que está na minha cabeça. Espreito o quarto escuro do meu coração que não sei onde começa e como acaba. Observo a minha sombra vestida de noiva que passeia pelo jardim de rosas com o seu longo vestido branco, à espera do noivo que provavelmente nunca virá
Ainda queres semear abóboras?”
Foi com entusiasmo que recebi a notícia da atribuição do Prémio Oceanos a um escritor timorense. Um entusiasmo misturado de surpresa, já que o nome do autor nada me dizia. Percebi então que Luís Cardoso nascera numa pequena vila no interior de Timor-Leste e passara a infância na ilha de Ataúro. Com o pai, enfermeiro, vivera em várias localidades e aprendera diversos idiomas do país. Licenciado em silvicultura no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, desempenhara as funções de representante do Conselho Nacional da Resistência Maubere em Portugal. “O Plantador de Abóboras”, o seu sétimo romance, está povoado de reminiscências destas memórias, em particular as que se prendem com a situação económica e política do país durante a invasão indonésia e no período pós-independência. Talvez por isso, entenda que o livro encerre um forte cunho autobiográfico, o que o transforma num longo monólogo reflexivo e que representará, porventura, um balanço da própria existência do seu autor.
As primeira páginas do livro trouxeram-me um enorme conforto. Densa e penetrante, marcadamente poética, a prosa pede para ser lida em voz alta. Soam intensas e delicadas as palavras desta “noiva mutin de Manu-mutin” quando fala da espessa neblina como se fosse sumaúma, se refere ao petróleo como “mina-rai” e ao oleoduto como “au-kadoras”, demonstra conhecer bem as figuras de Dom Quixote e Sancho Pança ou revela as diferenças entre plantar e semear abóboras. Na sua frente tem um desconhecido - “não tenho memória das tuas mãos. Não sei quem sejas. Não sei donde vens. Não sei quem eras antes de entrares nesta casa para me dizeres que gostarias de plantar abóboras” - e é a ele que se dirige. É a ele que conta (que canta?) esta “sonata para uma neblina”, repartida por três andamentos de acordo com uma linha cronológica que se desloca do passado para o presente. É nele que deposita a história de três gerações da sua família, falando-lhe de um tempo em que a necessidade imperiosa de partir se confunde com o desejo de ficar e chamar seu a cada novo lugar.
Diz o povo que “não há bem que sempre dure (…)” e assim é com este livro. A beleza e emoção das páginas iniciais rapidamente cede lugar à monotonia e ao bocejo. As frases repetem-se, buscando correspondência numa suposta ideia de circularidade, mas o mais que conseguem é acentuar a sensação de frustração perante uma narrativa que se revela demasiado frágil nos seus alicerces. Luís Cardoso carregou de simbolismo a (sua) história, partindo do princípio que o leitor estaria munido das necessárias “palavras-passe” para desvendar o conjunto de códigos que a povoam. Percebo, então, o quão distante estou do conhecimento da história do povo timorense. Creio ver nesse “irmão extraordinário” o líder revolucionário Xanana Gusmão mas não tenho, sequer, a certeza disso. Mistura-se pintura com Cervantes, segunda Guerra Mundial com a ilusão de um país rico em petróleo e busca-se acerto para as ideias. Em vão. O tédio adensa-se e contam-se as páginas para o fim do livro. Uma decepção!
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