TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Gustavo Carona
Auditório do Centro de Reabilitação do Norte
14 Dez 2021 | ter | 17:00
Gustavo Carona foi o convidado da quinta sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”, iniciativa do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho e que, desde o seu início em Abril passado, se vem constituindo num importante vector cultural no seio da comunidade hospitalar. Médico anestesista e intensivista no Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, Carona dedica parte dos seu tempo à Medicina Humanitária com doze missões com os Médicos Sem Fronteiras desde 2009 em países em guerra e é um defensor da verdade e do conhecimento científico, com numerosas intervenções no espaço público. Na tarde da passada terça feira, o médico veio falar de livros, com “O Mundo Precisa de Saber” e “Diário de um Médico no Combate à Pandemia” a servirem de fios condutores de uma conversa com tanto de partilha de experiências e de informação como de fascinante e inspiradora.
Começando pela escrita, Gustavo Carona descartou a hipótese de ser um predestinado, adiantando ser a disciplina de português aquela em que sempre foi menos bem sucedido. “Aquilo que eu acho que nasce em mim desde cedo é a minha vontade de pôr sentimentos nas palavras ou palavras a definir sentimentos”, disse, entregando ao lado das emoções - que tanto pode ser uma carta de amor à cidade do Porto como o ter nas mãos a vida de um recém-nascido - a força dos seus escritos. “O Mundo Precisa de Saber” foi o primeiro livro abordado e, com ele, a importância de ir ao encontro da verdade que se esconde por detrás de interesses obscuros, apoiados por agendas mediáticas com o propósito de manipular os factos e, com isso, a própria opinião pública. E isto tanto é válido em relação a países como a República Democrática do Congo, o Paquistão, o Afeganistão ou a Síria, “pontos de paragem” deste livro, mas também a Portugal.
Os cerca de cinco milhões de mortos no Congo desde o início do conflito armado - o que faz dele o episódio mais sangrento da História no pós-II Guerra Mundial -, o embate cultural com as práticas do fundamentalismo religioso que “condenam” mulheres a mortes horrorosas ou os momentos de incerteza no interior de um “bunker” escuro e frio a tremer com o cair das bombas, mostram-nos o quão adequado é o título deste livro, cujos factos devem merecer uma leitura atenta e uma profunda reflexão. Acreditar numa história, recheá-la de emoções e saber contá-la, fazendo do seu poder um exercício de escrita, tal é o mérito de Gustavo Carona que não se furtou a relembrar alguns episódios deste seu livro, relacionando-os com outros que vão acontecendo mesmo ao nosso lado. Chegar desta forma ao coração do leitor será, porventura, corresponder ao objectivo primeiro dos seus livros, “a obrigação moral de carregar o ímpeto para que outros possam ir atrás do exemplo e ampliem a sua zona de conforto muito para lá dos limites do seu quarto ou da sua casa”.
Com a quinta vaga plenamente instalada e a variante Ómicron a dominar todas as preocupações, “Diário de um Médico no Combate à Pandemia” veio lançar uma série de questões das quais a primeira tem a ver com o acesso global às vacinas da Covid-19 e ao tão propalado programa COVAX. A este propósito, a reflexão de Gustavo Carona não poderia ser mais assertiva, lembrando que vacinar em África, por exemplo, não pode resumir-se a deixar as vacinas nos aeroportos. As questões logísticas esbarram em problemas tão simples como a falta de energia eléctrica ou outras, bem mais complicadas, relacionadas com a escassez de profissionais de saúde que garantam as campanhas de vacinação. Colocando num dos pratos da balança os mais de cinco milhões de mortos devido à pandemia, dos quais a grande maioria serão pessoas idosas, e no outro os nove milhões de crianças que morrem a cada ano por causas tratáveis, a questão surge de forma natural: “Em que medida é que a vacinação contra a Covid-19 é uma prioridade de saúde global?”. Daí que Gustavo Carona veja em tudo isto muito de bondade, de humanidade, mas também muito de utopia e mesmo de hipocrisia. Daí que o mundo precise de saber.
Entre a razão e a emoção, a conversa fluiu num registo de enorme abertura, pontuada por episódios com o seu quê de insólito, como “um gajo de máscara a andar à guna num eléctrico”, e onde não faltaram algumas agulhadas à falta de uma liderança firme entre nós em momentos-chave da pandemia ou àqueles que se tornaram negacionistas e que “conseguem revelar mais imaginação do que as personagens dos Simpson”. Colocando os profissionais de saúde no centro das atenções, aqueles que tiveram de prolongar a dureza do afastamento das suas famílias, continuar a trabalhar com medo da sua saúde e dos seus, assumir que as férias são para os outros, já sem “holofotes” em cima, Gustavo Carona assumiu que “estes, sim, é que mereciam os Globos de Ouro”. E foi, muito justamente, com os profissionais de saúde que a tertúlia chegou ao fim, em particular com os enfermeiros, acerca dos quais o médico reforça que “têm sido desprezados pelo seu país, e são fulcrais na arte de aliviar o sofrimento e salvar vidas.” Obrigado Gustavo Carona.
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