EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA: “O Poder das Mãos: O Extraordinário Imaginário de Rosa Ramalho”
XV Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro
Galeria Morgados da Pedricosa, Aveiro
30 Out 2021 > 30 Jan
“Figura franzina, sempre de escuro vestida, lembrando uma viuvez de muitos anos, iletrada, de uma inteligência e sensibilidades fulgurantes, de linguagem brejeira mas comedida, olhos vivos e penetrantes que, só por si falavam, temente a Deus que, na sua pobre oficina de Galegos S. Martinho, mais lembrando um presépio, projectou o nome de Barcelos e de Portugal pelas quatro partidas do Mundo. Rosa Ramalho foi rica de tudo... pobre só no dinheiro…”
Vasco de Faria, Jornal de Barcelos, 25 de Janeiro de 1990
A arte e a cultura populares têm, em Barcelos, uma expressão única e de grande riqueza, formada na vida do seu próprio povo: o artesanato em barro. Desta matéria prima apanhada da terra para sustento das famílias saiu o figurado de Barcelos, autêntica expressão artística das pessoas simples que saltou das rudes oficinas e do espaço rural do concelho, onde se confinava, para o infinito mundo urbano pela mão de intelectuais e artistas. Foi este o percurso feito por Rosa Ramalho, há pouco mais de 50 anos. Ao preterir o ofício da mãe tecedeira, metendo as mãos no barro na casa de uma vizinha, a artesã de S. Martinho de Galegos deu início, ainda criança, a uma verdadeira saga, um modo de vida que, muitos anos mais tarde, levaria à descoberta da sua obra por determinados círculos académicos, processo que culminaria com a elevação do artesanato anónimo e pobre ao estatuto de arte com assinatura reconhecida.
Verdade ou lenda, consta que a menina nem teria muito jeito para os bonecos. Diziam os pais e vizinhos que ela não ia “encarreirar na arte”, mas a jovem não desistiu do sonho e continuou a fazer os bonecos que lhe dava gosto modelar. Até que um dia, no S. João das Fontaínhas, no Porto, um contacto fortuito com o professor António Quadros mudaria radicalmente a popularidade da Ti Rosa e dos seus bonecos. Estava-se em meados da década de 50. O marido tinha morrido em junho de 1956 e Rosa começa a receber a visita, na Feira de Barcelos e em sua casa de S. Martinho, de comitivas de estudantes de Belas Artes, atraídos pela motivação do seu mestre e pela peculiariedade da sua obra. Conhecida e famosa, a sua arte começa a ser requisitada, cobiçada, idolatrada. A fama da artesã rapidamente atingiu tal dimensão que é consensual dizer-se que no figurado de Barcelos há um antes e um pós Rosa Ramalho: o figurado sortido, arte menor, dá lugar ao figurado de autor.
Senhora de uma criatividade única, inspirada pela lacónica realidade que a envolvia, modelou peças que retratavam as cenas do quotidiano popular, da matança do porco, mulheres em carros de bois, pombas e músicos, ao mundo místico das procissões, santos e anjos. Para além destas, produziu uma vasta obra imbuída de um universo que, enquanto criança, a perturbava – “o mundo dos monstros”. Lobisomens, feiticeiras, diabos, bichos informes, entre outras figuras, marcaram um imaginário enigmático e original. Esta vertente da sua obra, fantasmagórica e inimaginável, distinguiu-a de tantos outros barristas desta região, dando-lhe um reconhecimento público que, ainda hoje é notório pelo mundo fora. A XV Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro presta-lhe uma sincera e justíssima homenagem, expondo um conjunto de trabalhos com a sua assinatura, bem representativos do seu mundo das formas. A Galeria Morgados da Pedricosa, a dois passos do Museu de Aveiro / Santa Joana, acolhe a exposição e é local de visita obrigatória. Só até 30 de Janeiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário