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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "My Mind is a Cage" | Roger Ballen


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “My Mind is a Cage”,
de Roger Ballen
Curadoria | Ângela Berlinde
Centro Português de Fotografia
10 Jun > 10 Out 2021


“O meu propósito enquanto fotógrafo ao longo dos últimos quarenta anos tem sido, em última análise, procurar definir-me. É, fundamentalmente, uma jornada psicológica e existencial. Se um artista é alguém cuja carreira é uma busca de si próprio, então terei de me considerar um artista.”
Roger Ballen

O tempo não passa, voa. Ainda “ontem” reencontrava Ângela Berlinde no Centro Português de Fotografia, na véspera da inauguração de “My Mind is a Cage”. Com ela estava Roger Ballen. Cumprimentei educadamente o artista e falei de trivialidades com Ângela. Prometi-lhe que iria ver a exposição e que “daria notícias”. Assim foi e cá estou eu a dar notícias. Mas por onde começar? Talvez pelo próprio Roger Ballen, pelo artista que nos abre o seu mundo e, dessa forma, nos convida a abrirmos o nosso. Roger Ballen que esteve ali à minha frente. Tão discreto, meio envergonhado… Soubesse eu o que sei hoje e ter-lhe-ía dito, olhos nos olhos, o quanto admirei o seu trabalho, o quanto achei incrível esta sua mostra. Três meses passaram e a exposição chega ao fim no próximo domingo. O tempo escoa-se rapidamente. É urgente voltar à Cadeia da Relação. Daí o meu conselho: Cancelem visitas de Estado, suspendam a viagem a Bora-Bora, desmarquem o vosso próprio casamento. Adiem o inadiável. Mas não percam “My Mind is a Cage”.

A Enxovia de Santa Ana está, por estes dias, transformada em “Room of Projections”. Diria que é fundamental começar por aqui a visita à exposição. Como perturbadores psicodramas, na tela vão passando as curtas-metragens “Outland”, “Shadow Chamber”, “Boarding House”, “Asylum of the Birds”, “Ballenesque”, “Theatre of Apparitions” ou o vídeo “I Fink U Freeky”. Povoadas de sons guturais, as imagens levam-nos ao encontro do universo de Ballen, obrigam-nos a mergulhar nele. Os ambientes insanos e as personagens alienadas, aliados a uma depurada fotografia a preto e branco e a uma montagem frenética, tornam a visão destes filmes num exercício com tanto de fascinante como de repulsivo. É profundamente perturbador ver o quanto homens e animais estão tão longe mas tão próximos uns dos outros. A doença mental profunda surge como detonador de muita coisa, mas sobretudo põe a nu a incapacidade da sociedade em lidar com as suas mais gritantes falhas.

Senhor de Matosinhos, Santo António e Santa Teresa, as três Enxovias restantes, abrem-se em imagens cujo grau de inquietação é agora gigantesco. Os olhares esvaziados potenciam o caos que se abate sobre os ambientes. A profusão de ratos, cobras, galinhas, porcos e outros animais, partilhando com as pessoas um mesmo espaço, remete para o repugnante e abominável. Um primitivismo inexplicável tomou conta dos corpos e das mentes. A ordem, enquanto definidora de comportamentos, ausentou-se para parte incerta. A única lei é não haver lei. A tudo isto responde Ballen com uma fotografia que pode ser vista como uma “organização do caos”. A sua arte, porém, vai muito além da fotografia, incorporando a pintura, o desenho e a escultura. Conceptualmente, é uma fotografia que, como nenhuma outra, vai ao encontro dos pressupostos da Arte Bruta, no que nela há de informal e anárquico. A última nota serve apenas para reforçar o que já foi dito. Esta é uma exposição imperdível e restam apenas quatro dias para poder visitá-la.

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