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segunda-feira, 13 de setembro de 2021

LIVRO: "Americanah"



LIVRO: “Americanah”,
de Chimamanda Ngozi Adichie
Texto original / “Americanah” (2013)
Tradução | Ana Saldanha
Edição | Carmen Serrano
Ed. Publicações Dom Quixote, Setembro de 2013


“O taxista etíope que lhe calhou disse: - Não consigo identificar o seu sotaque. De onde é? 
- Da Nigéria. 
- Da Nigéria? Não parece nada africana. 
- Porque é que não pareço africana? 
- Porque a sua blusa é demasiado justa. 
- Não é nada demasiado justa. 
- Eu julguei que era de Trinidad ou de um desses sítios. - Ele estava a olhar pelo espelho retrovisor com uma expressão reprovadora e preocupada. - Tem de ter cuidado, se não a América corrompe-a.”

Espreito o sítio de Chimamanda Ngozi Adichie [AQUI], pouso o olhar no rosto sereno da escritora no cimo da página e um nome, apenas, me percorre a mente: Ifemelu. Chimamanda é Ifemelu, Ifemelu é Chimamanda e ambas são “Americanah”, romance fortemente autobiográfico escrito em 2013, com o qual a escritora conquistou o National Book Critics Circle Award e que foi selecionado pelo New York Times Book Review como um dos 10 Melhores Livros desse ano. Se dúvidas restassem, ali está o separador “Ifemelu’s Blog” no extremo direito da barra para as desfazer. Ou talvez não. Como em muitos outros livros, darmos livre curso à especulação e pormo-nos a adivinhar onde acaba a verdade e começa a ficção revela-se um exercício estéril. Aceitemos a verdade do livro tal como nos é apresentada e entreguemo-nos ao prazer da leitura. São mais de setecentas páginas, implica disponibilidade e tempo, mas acaba por trazer no seu âmago a devida recompensa.

A história começa com Ifemelu decidida a regressar à Nigéria, após treze anos de vida na América. Para trás ficou a amargura dos primeiros tempos em Filadélfia, a falta de dinheiro, a estranheza dos sítios e das gentes e uma traumatizante “experiência profissional”, o que acabará por ser largamente compensado com os êxitos académicos e o reconhecimento como destacada blogger. É sobre esses tempos enquanto imigrante, mulher e negra, três condições reunidas numa só como um ferrete, que o livro se oferece inteiro e livre, encerrando em si mesmo um conjunto de auto-reflexões que, se por um lado evidenciam a coragem e resiliência de Ifemelu, por outro abrem espaço a um conjunto de chamadas de atenção para algumas das maiores contradições dos nossos tempos, brancos e negros, americanos e não americanos, “jogando” em campos muito diferentes, quando não totalmente opostos.

A última parte do livro trata do regresso às origens e a uma cidade onde Ifemelu começou por se sentir agredida, “a pressa aturdida pelo sol, os autocarros amarelos cheios de braços e de pernas esmagados, os vendedores ambulantes suados a correrem atrás dos carros (…) e os montes de lixo que se erguiam nas bermas das estradas como uma provocação”. Em certa medida, o livro é também uma forma de evidenciar os contrastes entre os vários mundos que habitam este mundo, encontrando nos factores sociais, culturais, económicos e políticos as verdadeiras causas de tanta desigualdade. Numa escrita fluida, com uma bela história de amor pelo meio, “Americanah” é muito mais do que um simples romance. É a vida tal como ela é, ora delicada e sensível, ora tumultuosa e imoral, por vezes injusta, mas sempre intensa e demasiado breve face ao que dela esperamos.

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