CONCERTO: João Martins – Hundred Milliseconds
Ovar em Jazz 2021
Centro de Arte de Ovar
02 Set 2021 | qui | 22:00
O entusiasmo tem destas coisas, há tanto para dizer que ficamos sem saber por onde começar. Talvez seja boa ideia começar mesmo por aqui, pelo entusiasmo e por tudo aquilo que contribuiu para que este segundo dia do Ovar em Jazz 2021 tenha sido tão absolutamente fantástico. Em primeiro lugar porque João Martins e o seu projecto, ao qual resolveu chamar “Hundred Milliseconds” (título do seu álbum de estreia, saído no início do ano passado pelas mãos da “Carimbo Porta Jazz”), ousou trazer-nos uma música “fora da caixa”. Nem sempre “bonita” - se é que podemos falar em “padrões de beleza” nestas coisas do jazz -, mas sempre ousada, irreverente, hábil, expedita, irrequieta, viva. Sobretudo uma música que nunca é “pano de fundo” para beber um copo em frente ao mar ou para receber convidados; antes uma música que nos desassossega, nos obriga a reparar nas suas dobras e vincos, que se blinda, altiva, antes de se entregar por completo, que nos sabe bem e nos faz bem. E depois porque, finalmente, vemos uma plateia bem composta de um público que parece começar a descobrir que, “por estranho que pareça”, jazz é música do melhor que há. Um público disposto a arriscar e a petiscar, como bem se viu na noite de ontem.
Rebobinando a cassete, vamos encontrar o vareiro e baterista João Martins a abraçar com entusiasmo uma residência artística no âmbito do Ovar em Jazz 2021. A ideia será apresentar o trabalho dessa residência no segundo dia do certame. Desafio aceite, João Martins sabe que não tem quatro meses para mostrar serviço. Não tem, sequer, quatro semanas. Tem quatro-dias-quatro, apenas, segunda a quinta num corrupio, a arte e o improviso de mãos dadas, com muita inspiração (e transpiração) de permeio. Aos habituais parceiros nestas lides - os saxofonistas Fábio Almeida e Gabriel Neves e o guitarrista Nuno Trocado -, junta o trombonista Rui Bandeira e duas conterrâneas, Laura Rui na voz e Joana Carvalhas no violino. Septeto improvável, septeto maravilha. Eu que o diga, que me dei por vencido desde esse “O Acaso Planeado” que, caído de chofre, abriu o concerto como que a pôr os pontos nos ii. Ficou-se logo a saber que nada do que se iria passar ficaria a dever o que quer que fosse à inocência, nem sequer o nome dado a este e outros temas, de “Ligados pela Interrupção” a “Os Pequenos Passos do Gigante”, de “As Partes de um Todo” a esse genial “Turbulência e Serenidade”.
O resto foi magia, uma hora e um quarto de pura magia. Falando dos executantes, aquilo que de mais admirável sobressai deste concerto é o quão simultaneamente próximos e distantes souberam mostrar-se. Esta aparente contradição explica-se pela excelência de João Martins enquanto autor das composições, pela sua capacidade de misturar uma profusão de sons e de tons, transformando essa amálgama em música de enorme qualidade. Com o duelo entre cordas e metais a dar empate, o violino de Joana Carvalhas parece ser o elemento desequilibrador, tão improvável quanto estimulante. Há depois Laura Rui, uma verdadeira “pintora de sons”, presença forte em palco e lirismo vincado na voz, a mostrar-nos paisagens ora suaves ora abruptas, mas sempre de uma enorme beleza. Fábio Almeida e Gabriel Neves fizeram falar bem alto os seus saxofones, dialogando entre si e com os restantes instrumentos de forma franca e descomplicada. Nuno Trocado e Rui Bandeira tiveram apontamentos plenos de virtuosismo e João Martins foi, por si só, um verdadeiro espectáculo. No tão aguardado encore, “Acredita” foi a súmula da maestria das composições e do valor das interpretações, o toque de varinha mágica que torna este projecto - e o projecto maior que é o Ovar em Jazz - numa certeza iniludível.
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