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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

CERTAME: Festival Literário de Ovar 2021 (III)



CERTAME: Festival Literário de Ovar 2021
Ana Bárbara Pedrosa, Ana Cássia Rebelo, Ana Ferreira, Ana Sofia Marçal, Ana Ventura, Anabela Pedrosa, Bento Ramires, Bru Junça, Bruno Henriques, Carla Mühlhaus, Carlos Fiolhais, Carlos Marta, Carlos Nuno Granja, César Rodrigues, Cristina Marques, Daniel Lemos, Daniela Onis, Diogo Leite de Castro, Dora Batalim, Fernando Ribeiro, Fernando Soares, Joana M. Lopes, João Manuel Ribeiro, João Morales, João Tordo, Joaquim Jorge Carvalho, Jorge Ferreira, Jorge Melícias, José Saro, Judite Canha Fernandes, Licínio Pimenta, Luca Argel, Maja Stojanovska, Manuela Pargana Silva, Manuella Bezerra de Melo, Marcelo Teixeira, Maria Almira Soares, Marília Lopes, Marta Pais Oliveira, Minês Castanheira, Paulo Praça, Pedro Guilherme-Moreira, Pedro Podre, Rodolfo Castro, Rodrigo Guedes de Carvalho, Ruben Alves, Rui Guedes, Rui Manuel Amaral, Rui Pedro Lamy, Tânia Clímaco, Vasco Gato, Virgínia Millefiori, Wagner Merije
Vários locais
08 Set > 12 Set 2021


O Salão Nobre da Junta de Freguesia de Cortegaça foi, na quente e abafada tarde de sábado, palco de duas das mais estimulantes mesas no conjunto das onze que compuseram o Festival Literário de Ovar. “Primeiro as senhoras”, terá pensado o programador, chamando ao palco, num primeiro momento, Marília Lopes, Minês Castanheira e Carla Mühlhaus, a fim de reflectirem sobre o acto da criação literária e o poder dos livros. Com Manuella Bezerra de Melo a moderar a mesa, Marília Lopes colocou a tónica no sofrimento, chamando Camões à liça – “erros meus, má fortuna, amor ardente” - e vincando que “para a criação ser autêntica tem de ser vivida”. Minês Castanheira contrapôs, “pedindo emprestada” uma chávena partida a um poema de Ana Luísa Amaral, referindo-se ao objecto como “uma construção ao encontro do leitor”. “Todos temos chávenas partidas”, disse, ao mesmo tempo que deixou uma ressalva: “Esta [chávena partida] pode nem ter existido, mas isso não invalida a autenticidade do poema.” Carla Mühlhaus deixou igualmente duas belas reflexões: “Escrever é conversar com o mundo” e “quem pensa é sempre uma ameaça para um regime autoritário”, numa crítica às políticas de Jair Bolsonaro para o sector da cultura no Brasil.

A mesa seguinte decorreu no masculino. João Morales moderou e, frente a frente, estiveram César Rodrigues e Rui Manuel Amaral. Investigador, autor e consultor em matérias como a Epigenética Social e Empresarial e a Inteligência Emocional, César Rodrigues trouxe-nos um olhar esclarecido sobre a importância de “aprender a aprender”. “A minha Terra não é Cortegaça; a minha Terra é a Terra”, disse, ao mesmo tempo valorizando a percepção mais apurada desta realidade nas novas gerações e garantindo que “o futuro será risonho”. Interagindo com o público, Rodrigues fez notar que “devíamos ter sempre presente a ideia de mal, de dor”, sem a qual “não nos apercebemos do bem que temos”. Numa mesa que primou pela descontracção, Rui Manuel Amaral referiu-se aos autores que mais gosta como “aqueles que impõem ao leitor a regra de que não existe regra nenhuma”, acrescentando ser esse “o coração da literatura”. Uma última nota sobre blogues, que Amaral classifica como “uma coisa pré-histórica”. Mas ressalva, mostrando admiração por quem alimenta um blogue e faz dele algo de “incrível”. Desconheço se estaria a referir-se ao “Erros Meus…”, mas deixo-lhe a minha gratidão à mesma.

Antes da interpretação de poesia com Fernando Soares e Daniel Lemos que encerrou este penúltimo dia do FLO, teve lugar no Centro de Arte de Ovar uma mesa que voltou a ser dominada integralmente por mulheres. Cristina Marques repetiu a sua presença no Festival na condição de moderadora, tendo ao seu lado as escritoras Ana Cássia Rebelo, Ana Bárbara Pedrosa e Judite Canha Fernandes. Não desprovida de polémica, a conversa uniu as três escritoras no repúdio a uma frase de Júlio Dinis, segundo a qual “o instinto feminino é o mais próprio para descobrir o lado acessível de certos caracteres azedos e para movê-los sem os magoar.” Uma frase “sem ponta por onde se lhe pegue” e “reveladora de uma tradição de subjugação da mulher”, disse Ana Bárbara Pedrosa. Pese embora a recusa da frase, Judite Canha Fernandes não deixou de defender Júlio Dinis, lembrando uma carta a Ramalho Ortigão e destacando a forma como se “apropriou de uma voz feminina, Diana de Aveleda, para fazer passar uma mensagem em tudo contrária àquilo que é o tema desta mesa”. Ana Rita Cássia falou do carácter marcadamente autobiográfico da sua escrita e manifestou o desejo de se libertar da sua personagem de vez: “No dia em que deixar de escrever vai-se o meu inferno”. Judite Canha Fernandes deixou-nos a ideia segundo a qual “criar uma personagem é viver com fantasmas” e Ana Bárbara Pedrosa sugeriu uma bela frase para a sua lápide funerária: “Aqui jaz Ana Bárbara que nunca disse um palavrão”, o que, vindo de quem escreveu “Lisboa, Chão Sagrado”, não deixa de causar uma certa estranheza.

(segue)

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