LIVRO: “As Coisas Que os Homens Me Explicam”,
de Rebecca Solnit
Texto original | “Men Explain Things To Me” (2014)
Tradução | Tânia Ganho
Ed. Quetzal Editores, Abril de 2016
“Uma cultura da violação é um meio onde a violação é prevalecente e onde a violência sexual contra as mulheres é considerada normal e desculpabilizada nos media e na cultura popular. A cultura da violação é perpetuada pelo uso de linguagem misógina, pela objetificação do corpo da mulher e a glamorização da violência sexual, criando assim uma sociedade que ignora os direitos e a segurança das mulheres. A cultura da violação afeta todas as mulheres. A maior parte das mulheres e raparigas limita o seu comportamento por causa da existência da violação. A maior parte das mulheres e raparigas vive com medo da violação. Os homens, em geral, não.”
Há livros assim, que parecem ter sido escritos para nos lembrar quem somos, de onde viemos e para onde vamos (ou para onde queremos ir). “As Coisas Que os Homens Me Explicam” é um desses livros. Profundamente irónico, o título deixa subentender um olhar atento sobre as questões de género, por trás do qual descobrimos uma autora segura e inteligente, apostada em cruzar a realidade que nos rodeia com os números assustadores inscritos à margem dos direitos das mulheres, da violência doméstica, da violação conjugal ou do assédio e dos abusos sexuais, por exemplo - “nos Estados Unidos, cerca de três mulheres são assassinadas por dia pelos cônjuges ou ex-cônjuges”, pode ler-se neste ensaio, bem como o facto de a violência doméstica ser “uma das principais causas de morte de mulheres grávidas neste país”. Face à verdade dos factos, a pergunta impõe-se: “Onde é que os homens aprenderam que as mulheres não têm direitos?”
Com muita investigação pelo meio e muitos factos correctamente alinhados, Rebecca Solnit desenvolve um conjunto de nove textos orquestrados de forma a responder a um conjunto de questões pertinentes em matéria de (des)igualdade de género, mas que levantam, eles mesmos, muitas outras questões que importa perceber e resolver. Na mesma semana em que escutamos António José Saraiva “queixar-se” de se ter perdido “a diferença entre homem e mulher, cuja união permite a reprodução da espécie e cuja associação estável possibilita uma sociedade organizada”, daí advindo uma sociedade que se aproxima da barbárie, uma “sociedade doente, que esqueceu as regras e os princípios que lhe deram superioridade”, ler que “a libertação das mulheres tem com frequência sido descrita como um movimento decidido a usurpar ou retirar o poder e os privilégios aos homens, como se, num qualquer jogo de vencedores e vencidos, só um sexo de cada vez pudesse ser livre e poderoso” mostra o quão importante é haver pessoas que se empenham em pôr o dedo na ferida e em mostrar que há ainda um longo caminho a percorrer em matéria de direitos das mulheres, ao encontro dessa verdade única, a de que “somos livres juntos ou escravos juntos”.
Escrito como uma resposta às notícias que envolveram Dominique Strauss-Kahn, Director do FMI à data, numa série de escândalos de cariz sexual, este ensaio de Rebecca Solnit vem dizer-nos que o acesso à justiça e a luta para fazer valer os direitos individuais é muito mais difícil para as mulheres do que para os homens. A violação e assassínio em Nova Deli de Jyoti Singh, uma estudante de fisioterapia de vinte e três anos, surge neste livro como um dos muitos exemplos da pretensa superioridade masculina e da forma como se verte em actos repugnantes. Este e muitos outros factos comprovam que “as vidas de metade da humanidade continuam a ser acossadas, enfraquecidas e por vezes destruídas por este tipo de violência generalizada”. Entre Virginia Woolf, Susan Sontag, Bill Clinton ou Woody Allen, alguns deles figurando aqui pelos piores motivos, “As Coisas Que os Homens Me Explicam” é um forte abanão nas consciências e um marco importante num caminho sem fim à vista.
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