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terça-feira, 27 de julho de 2021

LIVRO: "A Íris Selvagem"



LIVRO: “A Íris Selvagem”,
de Louise Glück
Texto original | “The Wild Iris” (1992)
Tradução | Ana Luísa Amaral
Ed. Relógio D’Água Editores, Dezembro de 2020


“Sabes o que eu era, como vivia? Conheces
o desespero; então
o Inverno há-de fazer-te sentido.”

Conjunto de cinquenta e quatro poemas da autoria da Prémio Nobel da Literatura Louise Glück, com tradução de Ana Luísa Amaral, “A Íris Selvagem” é um passeio pelo bem cuidado jardim da autora, ao encontro dos canteiros floridos, de delicados arbustos e de árvores de maior porte, os seus matizes de verde pintalgados de todas as cores. É ver como toda esta variedade de plantas nasce e cresce, como se transforma com o correr do tempo e das estações, como se desafia em cor e viço, como se espreguiça ao sol ou definha na sombra, como parece perder a vida no final de cada ciclo para reaparecer num novo tempo, com mais força e mais querer. Mas é também escutar o vento que derruba e destrói, sentir a neve e os estios que tudo queimam, a terra húmida e fria que resiste a acolher a íris selvagem no seu seio. E, depois, escutá-la num fino lamento: “É muito duro sobreviver assim, / a consciência / sepultada na terra escura.”

Como os frutos da terra, pedindo tempo, esperando pelo momento certo para serem admirados em todo o seu esplendor e beleza, assim é a poesia de Louise Glück. Não é uma poesia do imediato, leve e solta, que ameaça desfazer-se em fumo antes mesmo de ser tocada, mas uma poesia orgânica, telúrica, visceral, despojada de vaidade, as raízes afundadas na terra árida - “(…) eu ainda não / flor, mas espinha somente, terra bruta / rasgando-me as costelas (…)” -, as plantas fustigadas pela ventania, desabrigadas, frágeis, sós, os seus ramos erguidos aos céus, a Deus, em busca de respostas. É uma poesia de grande coragem, que grita a sua dor nas interrogações que a si mesma se coloca. Uma poesia que sabe e nos diz que a eternidade não é apenas Verão, que tudo pode agora acabar e é urgente “(…) aprender a amar / o silêncio e o escuro.”

“Tempos houve em que acreditei em ti: plantei uma figueira. / Aqui, no Vermont, nesta terra / sem Verão. Foi um ensaio: Se a figueira vivesse, / isso queria dizer que existias.” Uma enorme espiritualidade atravessa todo o livro, cada um de nós feito de mesmo pó da terra em que nos tornaremos um dia. Por intermédio das suas plantas, Louise Glück mergulha no milagre da vida, o poema a unir o homem e a natureza, a expor feridas e cicatrizes, a arranhar a alma de uns e de outros. “Matinas” e “vésperas” surgem como interlúdios a esses poemas maiores que exaltam a vida e os seus mistérios. As questões multiplicam-se, mas cada vez serão mais as dúvidas do que as certezas. “Quem és tu na janela iluminada / agora escurecida pelo brilho trémulo das folhas / do viburno? / Será que sobrevives onde eu não passarei sequer / do meu primeiro Verão?”. Um livro essencial.

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