TEATRO: “O Despertar da Primavera”,
de Frank Wedekind
Encenação e concepção plástica | Leandro Ribeiro
Cenografia | Marta Baldaia
Canção e voz | Beatriz Dias (arranjo musical de Cláudia Dias)
Interpretação | Liliana Elsig, Clara Oliveira, Leandro Ribeiro, Marco Nunes, Leonor Matos, Nicole Gomes, Inês Campos, Beatriz Moreira, Armanda Queiroz, Hernâni Sá, Luís Rola, Cláudia Dias, Guida Bandeira, Mirian Lopes, Mónica Pinto, Sofia Costa, Daniela Adelino, Beatriz Dias, Ana Catarina Pinto, Jorge Azevedo, Sara Oliveira, Maria Silva, Ana Margarida Reis, Mafalda Reis
Produção | Sol d’Alma - Associação de Teatro
130 minutos | Maiores de 12 anos
13 Jun 2021 | dom | 10:30
Se há coisa que a pandemia nos ensinou foi a acreditar nos nossos sonhos e a não largarmos mão dos nossos projectos, convocando para tal uma boa dose de imaginação na busca de novos meios para atingir velhos fins. Ensaiar à distância, tirando partido das plataformas digitais, foi a solução encontrada por muitas companhias de teatro para se manterem vivas. A Associação de Teatro Sol d’Alma não foi excepção. Num caminho feito de falas e deixas, uns e outros ao alcance de um clique, apanham-se pontas soltas, limam-se arestas, busca-se a melhor cadência, marcam-se espaços, recriam-se palcos, afinam-se processos e um sol, de alma feito, vai-se erguendo, generoso e quente. Três a três ou quatro a quatro, os actores começam a encontrar-se. Aponta-se o ensaio geral e a estreia. Cresce a ansiedade. Marcam-se datas extra. A procura é grande, ninguém quer perder o espectáculo. Finalmente, a peça sobe ao palco (usar o plural é, neste caso, mais adequado). À memória vem o actor que decidiu abandonar o palco da vida. Um “acto estranhamente ridículo” para cujas questões não se encontram respostas. A ele é dedicado este “O Despertar da Primavera”.
Pegando pela segunda vez numa das obras-primas mais controversas da literatura universal - uma obra tão audaz na sua análise do processo de auto descoberta de um adolescente, que foi banida dos palcos durante décadas -, Leandro Ribeiro soube tirar o melhor partido dos espaços da antiga Escola Primária onde funciona actualmente a sede da Sol d’Alma, criando um espectáculo deambulante ao longo do qual o espectador é convidado a (re)conhecer os momentos de exaltação e dúvida que envolvem a entrada na adolescência e a descoberta da sexualidade. Tudo isto numa sociedade profundamente preconceituosa e castradora, assente num sistema educativo repressivo e onde falar sobre sexo, religião, gravidez juvenil ou a relação dos jovens com a família e as escolas é socialmente inaceitável. Ao dramatizar estes e outros assuntos, Frank Wedekind faz com que “O Despertar da Primavera” conserve uma frescura e uma vitalidade surpreendentes, mantendo-se absolutamente actual apesar de terem passado 130 anos sobre a sua escrita.
Foi, para mim, uma extraordinária surpresa a descoberta desta peça. As questões convocadas são de uma enorme premência e passíveis de gerar debates muito estimulantes entre pais e filhos, professores e alunos. O uso dos espaços - tanto exteriores quanto interiores - é uma das grandes mais-valias deste espectáculo, a hábil encenação a colocar o espectador na posição do “voyeur”, obrigando-o a integrar-se no espírito da peça e a pôr-se a si próprio no lugar do outro na altura de o julgar. Há, finalmente, os actores, essa extraordinária plêiade de gente jovem e menos jovem que comunga do espaço do palco, que respira teatro. É harmoniosa a mescla dos experientes Liliana Elsig ou Clara Oliveira, com os enormemente promissores Marco Nunes, Leonor Matos, Nicole Gomes ou Beatriz Dias. Tocante de empenho e entrega, o grupo faz da credibilidade uma das pedras de toque da representação, mesmo quando a caricatura e a sátira tomam o lugar do drama. Muitos vivas à Sol d’Alma pela coragem de assumir tão intenso desafio. E muitos vivas ao teatro!
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