EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “A Liberdade passou por Aqui”,
de Alfredo Cunha
Torre da Oliva, São João da Madeira
25 Abr > 31 Ago 2021
“Aprende a nadar, companheiro
Que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui
Maré alta”
Sérgio Godinho, Maré Alta (“Os Sobreviventes”, 1972)
Para aqueles que, como eu, viveram o 25 de Abril, o reencontro com as fotografias de Alfredo Cunha é sempre um motivo de satisfação e regozijo. Pela enésima vez abraçamos “os rapazes dos tanques” e pela enésima vez somos tomados pela emoção ao rever as imagens que assinalam o fim da longa noite do fascismo, “trabalhadores e soldados vivendo a mesma euforia”, a certeza de que “o povo unido jamais será vencido”. Esse foi o tempo em que um jovem fotojornalista do saudoso “O Século”, munido de duas máquinas fotográficas e disparando incessantemente, alheio aos riscos que corria, registou os momentos mais marcantes do “dia inicial inteiro e limpo”. As suas imagens correram mundo, impuseram-se como símbolos da liberdade e, por isso, Alfredo Cunha não é, apenas, um fotojornalista cujo fruto do seu trabalhou legou para a posteridade alguns dos mais importantes momentos da nossa história. Ele é “o fotógrafo do 25 de Abril”. Ele é, hoje, o próprio 25 de Abril, naquilo que a sua fotografia tem de icónico e indissociável da revolução dos cravos.
Há um propósito na reflexão que preenche o parágrafo anterior e que serve de preâmbulo àquilo que quero dizer nesta crónica. Tem tudo a ver com o título da exposição - “A Liberdade passou por Aqui” - e com a transitividade do verbo “passar”, empregue com o claro sentido de nos lembrar que um tempo houve em que fomos livres e que, irrevogavelmente, deixámos de o ser. Aceito que estas palavras possam estar contaminadas por uma certa ideia de nostalgia, pedrinha na engrenagem que inquieta e vem baralhar as contas. Afinal, quase meio século passou sobre aquela madrugada de Abril de 1974 e tudo no mundo mudou. Teríamos de mudar nós também. Mas não poderíamos ter aceite essa mudança sem abdicarmos da liberdade de sermos quem somos? Sem FMI’s mais as suas garras que nos estrangulam? Sem moedas únicas com preços mais elevados a pagar do que o seu justo valor? Sem toda a corrupção que desgasta e descredibiliza o país? Sem compromissos globais que estilhaçam a nossa auto-suficiência e põem em risco a nossa própria sobrevivência?
Às questões - estas e muitas outras, igualmente acutilantes, que poderia formular -, responde Alfredo Cunha com as suas imagens. A pose serena de Salgueiro Maia, as mãos dos soldados cravadas nas G3, os cravos que despontam a cada esquina, o olhar das crianças a apontar o futuro, o ombro com ombro de um povo a escrever a sua própria história, dão-nos as respostas. Dizem-nos que soubemos dizer basta e aniquilámos um regime, tal como nos dizem que a razão e a vontade, unidas, tudo podem, tudo vencem. São imagens que não estão ali para se deixarem apodrecer num saudosismo inútil, a lembrar tempos que não voltam mais. Antes apontam caminhos, lembram que a revolução é a única via para a liberdade, que dela nascem “razões, abraços, canções e bandeiras da cor deste sangue que temos nas veias e na carne.” Uma exposição imperdível!
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