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domingo, 17 de janeiro de 2021

LIVRO: "O Olho de Hertzog"



LIVRO: “O Olho de Hertzog”,
de João Paulo Borges Coelho
Ed. Leya, Março de 2010


“Lembrou-se daquela tarde composta como um cenário para que, no meio dela, Wally pudesse sentar-se a desenhar. A seu lado, um saco com pequenas pedras de carvão. Uma delas brilhava mais do que as outras, tocada por um último raio de Sol. Se encontrasse agora a rapariga, recuaria um pouco no tempo, pedir-lhe-ia ainda uma última história, a mais complexa de todas; não as costumeiras histórias em que se vão retirando véus até ficar desnudado por completo o acontecido, mas uma história nova, toda ela virada para diante.”

Professor de História Contemporânea na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, e investigador em questões que relacionam a história, o poder e a memória, sobretudo em regiões como a África Austral e o Oceano Índico, João Paulo Borges Coelho publicou em 2010 “O Olho de Hertzog”. O livro vencera a segunda edição do Prémio Leya e surgia com essa chancela de prestígio, obrigando o leitor a elevar a fasquia em matéria de expectativas. E começo precisamente por aqui, pela enorme frustração que foi a sua leitura, um romance com muito pouco para oferecer, que avança a conta-gotas e que resulta num infindável bocejo.

As páginas iniciais são prometedoras. A chegada de Hans Mahrenholz a Lourenço Marques, a bordo do “Ferreira”, outrora a embarcação mais veloz a sulcar os mares do mundo sob o nome de “Cutty Sark”, vem carregada de mistério. Estamos no rescaldo da I Guerra Mundial e para trás este oficial germânico tem um ano de campanha militar nas florestas austrais, no corpo e na mente as marcas da chuva e da lama, da malária, dos perigos que a selva esconde e dos confrontos com tropas portuguesas e britânicas. Aqui chegado, porém, a sua missão é uma incógnita. Na sua busca, Hans guiará o leitor através de uma cidade desconcertante, à descoberta das profundas brechas que o conflito abriu numa sociedade onde a supremacia branca é ainda avassaladora.

Seria um livro empolgante, caso João Paulo Borges Coelho tivesse alguma noção dos tempos com que se coze um romance de acção. É que não basta ter uma boa ideia, é preciso saber desenvolvê-la, alimentando-a com novos factos, dispensados com critério e parcimónia. E é isso que o autor não faz. Pior: O seu sentido de “economia narrativa” é nulo, enrolando o leitor num conjunto de apontamentos repetidos até à exaustão – veja-se o caso dos anúncios nos comércios ou nas salas de cinema da cidade –, levantando a ponta do véu apenas nas derradeiras páginas, numa altura em que todo o interesse pelo livro há muito se desvaneceu. O resultado é desconsolador, a inabilidade do autor em manter o leitor preso à história como a sua principal marca, o retrato desta Lourenço Marques de inícios do século XX pouco vivo, desinteressante.

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