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domingo, 13 de dezembro de 2020

CONCERTO: "Véspera" | Clã



CONCERTO: “Véspera” | Clã
Cine-Teatro de Estarreja
11 Dez 2020 | sex | 21h00


Com este pandémico 2020 a caminhar a passos largos para o final, os Clã trouxeram ao palco do Cine-Teatro de Estarreja o seu mais recente trabalho, “Véspera”, e com ele o melhor da sua música. Dando voz a poemas de Carlos Tê, Sérgio Godinho, Regina Guimarães, Arnaldo Antunes, Samuel Úria, Capicua e Aurora Robalinho, Manuela Azevedo teve ao seu lado o sempiterno Hélder Gonçalves nas guitarras, os teclistas Miguel Ferreira e Pedro Biscaia, Pedro Santos no baixo eléctrico e Pedro Oliveira na bateria. Enchendo a sala pela metade, como mandam as autoridades de saúde, o público viu-se envolvido pela energia e ritmo da banda, que passou em revista “Véspera” e fez questão de lhe acrescentar uma mão cheia de clássicos de outras eras, numa revisitação de temas dos álbuns “Kazoo” (1997), “Cintura” (2007), “Corrente” (2014) e, sobretudo, “Lustro” (2000).

Falando de “Véspera” e dos dez temas que compõem este trabalho, aquilo que mais e melhor se evidencia é a articulação perfeita entre a música e os poemas, contagiante aquela, inspirados e plenos de significado estes. De Samuel Úria, em “Sinais”, escutamos: “E até ver / Em cada sinal / Há só resquícios de mim. / Mas só eu sei / Que vou pontual / E este é o princípio do fim.” Em “Pensamentos Mágicos”, Carlos Tê confessa: “A sombra que há em mim / Não conhece fronteiras / A ave que há em mim / Sobrevoa barreiras”. Regina Guimarães lembra, em “A arte de faltar à escola”, que “(...) só os que ainda crescem / Em massa desobedecem / Mas só quem está a crescer / Se insurge contra o poder / Pára e pensa”. E ainda uma interrogação, no poema de “Capicua” intitulado “Tempo – espaço”: “Se no céu há mais estrelas / Que areia no deserto / Se é verdade o que nos diz / Sagan / E se o sol que vejo ao longe / É a que está mais perto / Com que força me desperto / Amanhã?”. Conceptualismo? Música de intervenção? As duas coisas, pois claro. E do melhor.

Cuidadosamente escolhido, o alinhamento passeou-se por um universo feito de colaborações de longa data com Arnaldo Antunes, Samuel Úria, Sérgio Godinho e Carlos Tê, dando-nos a escutar canções tão icónicas como “H2omem”, “Tira a teima”, “Sangue Frio”, “Dançar na Corda Bamba”, “Canção de Água Doce” e “O Sopro do Coração”. Em todas elas a mesma unidade na denúncia do que é injusto e errado, a começar numa sociedade amoral e doente e a terminar no coração de cada um de nós, o amor (ou a falta dele) como água da fonte do bem e do mal. Numa luta contra o relógio, por conta de um absurdo recolher obrigatório, este foi um concerto demasiado curto, não chegando aos cinco quartos de hora. Nele couberam, porém, dezoito canções, a batida intensa aqui e ali refreada por momentos fortemente intimistas, palmas a compasso na plateia e no balcão e gargantas ao alto. “Se alguém te atinge o coração / Aguentas o baque / De frente / E sentes uma oscilação”, escutou-se já muito perto do final. O concerto todo foi mais ou menos assim. E ainda é!

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