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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

CONCERTO: Sílvia Pérez Cruz + Concerto Milha Inês Filipe



CONCERTO: Sílvia Pérez Cruz + Concerto Milha Inês Filipe
Casa da Cultura de Ílhavo
18 Dez 2020 | sex | 21:00


“¿Dónde está tu pájaro, plumita?
—Mi pájaro es un sueño. Se ha volado.
—¿Volverá?
—Nunca se va: Vuela y permanece,
Como vuela y permanece todo lo soñado.”

Oito meses após o inicialmente previsto, o público ilhavense pode finalmente escutar Sílvia Pérez Cruz na apresentação de “Farsa (Género Imposible)”, o seu mais recente trabalho discográfico. Para a cantora, este foi um momento privilegiado de voltar a cantar fora do espaço virtual, expondo as suas inquietações face à dualidade do que mostramos e daquilo que realmente somos, de como sobrevive a fragilidade interior nestes tempos em que o superficial é tão arrasador e em que já muito pouco é o que parece ser. Quanto ao público, teve a oportunidade única de escutar poemas de enorme significado e beleza, numa voz que é um verdadeiro “caso de estudo”, despejando no mais fundo de nós as emoções mais simples e mais puras.

Com uma luz crua sobre si, apenas voz, a cantora começou por nos oferecer “Que me van aniquilando”, um tema de 1977 de Enrique Morente, que a vincula a uma matriz do “novo flamenco” da qual é legítima herdeira. Depois vieram pássaros e sonhos em “Plumita”, primaveras em “Els dracs busquen l’abril” e flores em “La Flor”. Veio também esse incrível “Grito pelao” – “del grito / del canto. / Silencio, vacío y parao / sola / sin faro / y em Trafalgar. / Del grito pelao...” – e então demo-nos conta de termos embarcado numa viagem interplanetária de destino incerto. Com “Estimat”, “Tango de la Vía Láctea” e “Ensumo l’abril” viajámos nas asas do sonho para lá do espaço sideral. Em transe escutámos “Pena Salada”, “Tres locuras” e “Par Coeur + The Womb” antes de encetarmos o regresso. “The Sound of Silence” ainda nos deixou a pairar por momentos, mas “Mañana”, num poema sublime de Ana María Moix, fez-nos assentar o corpo tremente em terra firme.

O final fez-se com “For a fatherless son”, letra de Sylvia Plath, e ainda “Todas las madres del mundo”, a que se seguiu “Intemperie”, num muito reclamado “encore”. E agora? O que fica desta “farsa”? Fica o poder da palavra e da música, aqui de mãos dadas com outras disciplinas artísticas como o teatro, o cinema, a dança, a poesia, a pintura ou o cinema de animação. Fica uma intensa nota de experimentalismo, corolário lógico dos muitos anos de pesquisa por caminhos próprios de paixão pela música. Fica, sobretudo, uma voz de sonho, ímpar, que tudo pode e tudo arrasta, que se afirma como o mais completo e sublime de todos os instrumentos. Uma palavra também para Inês Filipe, jovem pianista ilhavense a quem foi proporcionada uma breve apresentação de trechos do repertório pianístico clássico e que se mostrou irrepreensível na interpretação de peças de Debussy e Rachmaninov. É uma pena que a estes Concertos Milha não seja dado outro enquadramento e melhores condições. Importa repensar estratégias no futuro. O público e, sobretudo, os jovens artistas merecem melhor.

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