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domingo, 20 de dezembro de 2020

EXPOSIÇÃO: "Século Monstro" | Agostinho Santos


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EXPOSIÇÃO: “Século Monstro”,
de Agostinho Santos
Galeria Municipal de Matosinhos
26 Set 2020 > 21 Jan 2021


Façamos como o artista, espreitando pela frecha aberta e vendo o espaço em volta. Melhor fora que não o fizéssemos porque é tudo menos aprazível a visão que se nos oferece. A harmonia de formas e cores que se percebe em cada uma das telas exerce sobre o visitante uma atracção irresistível, convidando-o a observá-las mais de perto. Mas à medida que nos aproximamos, os elementos vão-se definindo e é todo um abismo que se abre à nossa frente. Há olhos parados que nos interrogam, há corpos disformes que para nós estendem os seus muitos braços e pernas, há focinhos que se conformam uns nos outros abrindo muito as bocas e deixando ver as fiadas de dentes, há serpentes que se esgueiram por entre os crânios ermos, há tinta vertida como sangue, que escorre na tela e nos diz que o mal habita ali. E há, também, um vírus silencioso que paira sobre as nossas cabeças, ameaçador, castrador, letal.

Entre pintura, objectos, esculturas e livros de artista, são em número superior a uma centena e meia as obras de Agostinho Santos que, por estes dias, podem ser vistas no extraordinário espaço da Galeria Municipal de Matosinhos e que, no seu todo, oferecem a visão do artista sobre um tempo de incertezas, angústias e medos, aqui chamado de “Século Monstro”. Uma visão “revista e actualizada” que confronta o artista com o “monstro Coronavírus”, mediante uma dezena de exercícios ilustrativos tendentes a dar um rosto ao “bicho”. Apropriando-me das palavras dos curadores da exposição, Albuquerque Mendes e Valter Hugo Mãe, está lançada a “viagem pela vida e obra do artista, apreendendo diferentes formas de sentir o medo e a esperança e ponderar sobre a força da dor e da superação”.

Fundando a sua obra numa espécie de “saber de experiência feito”, que encontra na ancestralidade as suas traves-mestras, Agostinho Santos mostra-nos o quanto a arte aproxima os homens de Deus. Ou, dito de outra forma, o quanto de espírito e matéria coexiste na tela como em cada um de nós, conformado por energias sem nome e sem rosto, que não se vêem mas sentem-se. Nessa incessante demanda no sentido de ver o que não se vê, o artista leva-nos por caminhos da Arte Popular e da Arte Bruta, provando serem estas as vias-sacras de artes outras ditas “maiores”. É possível que o visitante deixe a Galeria sem ter identificado, no meio daquela infinidade de elementos que desfilaram ante os seus olhos, o rosto do vírus que virou de pernas para o ar as nossas vidas. Mas viu os seus fantasmas e as suas quimeras, espectros e ilusões, a vaidade e a ira, Dante e o seu Inferno, as tentações de Bosch, um cristo crucificado expiando os pecados de todos. Viu-os de frente, olhos nos olhos.

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