LIVRO: “Apneia”,
de Tânia Ganho
Editor | Francisco Camacho
Ed. Casa das Letras, Julho de 2020
“O que a chocava, mais do que a possibilidade da perfídia de Alessandro, era a sua própria capacidade de imaginar essa perfídia. O instinto de sobrevivência obrigara-a a identificar e antecipar os esquemas mentais perversos de Alessandro, para se proteger e defender deles, e afligia-a a dúvida se essa sua capacidade significaria que era igual a ele. Se seriam um monstro com duas cabeças, enredando o filho nas suas tramas de ódio e subjugação, até se tornarem um mítico cérbero.”
Esta breve nota serve para dizer que reconheço algum mérito no romance de Tânia Ganho. Ele funcionará, sobretudo, como alerta para as falhas do sistema no seu todo, a começar na família e a terminar na justiça. Isto não significa, porém, que tivesse gostado do livro. Não gostei. Neste pai não se vislumbra nada de aceitável, da mesma forma que a mãe é boazinha até dizer basta. Reduzidas à condição de estereótipos, as duas personagens principais do livro tornam-se totalmente previsíveis. Com a autora enredada na teia que ela própria criou, a acção vê-se resumida a uma insuportável sucessão de clichés que se repetem de forma exaustiva. A narrativa estende-se, tendenciosa, não havendo como escapar ao sentimento de manipulação. Aquilo que se pretendia um tempo de prazer torna-se em desconforto. O divórcio entre autor e leitor é uma questão de tempo.
Ainda o livro vai no seu início e já não se atura tanta passagem em Monsanto, os vidros do carro sempre abertos, as lágrimas misturadas com a chuva que fustiga o rosto da mulher. Olho para a lombada do livro e nem quero acreditar que me espera mais do mesmo na infinidade de páginas que se abrem à minha frente. O filho continuará um sininho quando vai passar o fim de semana com o pai e regressará ao lar materno transformado em demónio furibundo. A mãe não levantará nunca a mão ao filho porque é, de facto, uma riqueza de mãe. Já o homem é mesmo mau e sê-lo-á cada vez mais. Sabemos que tanta maldade deverá ter uma justificação e Tânia Ganho não se faz rogada. A corda esticada ao máximo resulta num anti-climax. O desfecho desta história é inenarrável. Pelo menos, “Apneia” ensinou-me que talvez deva começar a repensar esta minha teimosia em não pôr de parte um livro, por mais enfadonho que ele possa ser. Nunca o fiz e também não foi desta. Mas esteve quase.
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