LIVRO: “As Telefones”,
de Djaimilia Pereira de Almeida
Ed. Relógio D’Água Editores, Maio de 2020
Quando publicou “Esse Cabelo”, o seu romance de estreia, Djaimilia Pereira de Almeida referiu numa entrevista que “o ganho de procurar é procurar, interessando pouco ou nada o que se encontra”. E embora seja difícil contentarmo-nos com a incerteza quando procuramos saber quem somos, a resposta mais profícua, e a mais desconfortável, é chegar ao fim com uma pergunta, e outra, e outra. Seis anos volvidos, a escritora retoma a narrativa de “Esse Cabelo” naquilo que tem de busca da identidade, continuando a procurar e a achar mais perguntas do que respostas. Isso mesmo confirmamos em “As Telefones”, um livro que narra o viver e o sentir de Filomena e Solange, mãe e filha, seis mil quilómetros a separá-las, sensivelmente a distância que separa os subúrbios de Luanda dos subúrbios de Lisboa.
Longe do exercício voyeurista de quem fica à escuta do lado de fora, aquilo que Djaimilia Pereira de Almeida convoca em “As Telefones” é a imersão plena no corpo e na mente destas duas mulheres à conversa à medida que crescem, sobreviventes aos seus próprios silêncios como duas campeãs de mergulho olímpico. Só o auscultador sujo de dedadas de gordura, as cortinas laranja de flanela suja, o perfume que teima em permanecer nas coisas e cinco dentes de leite guardados num pedacinho de algodão são verdadeiros. Tudo o mais é fingimento, as recordações que contam uma da outra decalcadas das suas próprias recordações, firmes no balanço pelo veneno dos equívocos, os sonhos contados à pressa em chamadas matinais, como casas de pedra e cal nas suas vidas. Uma espécie de pacto, onde o importante é preservar as máscaras e deixar cair aos poucos a certeza daquilo que a cada uma pertence.
Descobrindo-se nesse ponto híbrido que é, ao mesmo tempo, memória, ensaio e ficção, “As Telefones” encerra uma reflexão profunda sobre as causas e consequências do distanciamento físico. Paradoxalmente, um livro que é um desfiar de desvios, imprecisões e omissões, resulta gigante na verdade que dele se derrama. Djaimilia Pereira de Almeida é tocante de honestidade e generosidade na forma como expõe uma realidade de contornos marcadamente pessoais e solidamente ligada ao fenómeno da diáspora. Ao leitor cabe o trabalho de catar as migalhas sobre a mesa, esfareladas pela mão da memória. De perceber o quanto da sua própria vida estará guardado numa caixa de madeira. E de partir em busca de respostas, cada vez mais certo da inutilidade da sua demanda. “Quantas vezes pode morrer uma mãe? Quantas vezes pode nascer uma filha?”
de Djaimilia Pereira de Almeida
Ed. Relógio D’Água Editores, Maio de 2020
“Menina, vai dormir agora, mas fixa bem estas palavras, genro meu não é preto, não admito cá nenhum desses matumbos que andam aí e nem sabem o que é uma auto-estrada, não é auto-estrada que se diz aí?, não é escada rolante, é auto-estrada, era só o que me faltava! Dorme bem, filha, sim, a Mamã liga, como sempre, tchau, beijo, beijo...”
Quando publicou “Esse Cabelo”, o seu romance de estreia, Djaimilia Pereira de Almeida referiu numa entrevista que “o ganho de procurar é procurar, interessando pouco ou nada o que se encontra”. E embora seja difícil contentarmo-nos com a incerteza quando procuramos saber quem somos, a resposta mais profícua, e a mais desconfortável, é chegar ao fim com uma pergunta, e outra, e outra. Seis anos volvidos, a escritora retoma a narrativa de “Esse Cabelo” naquilo que tem de busca da identidade, continuando a procurar e a achar mais perguntas do que respostas. Isso mesmo confirmamos em “As Telefones”, um livro que narra o viver e o sentir de Filomena e Solange, mãe e filha, seis mil quilómetros a separá-las, sensivelmente a distância que separa os subúrbios de Luanda dos subúrbios de Lisboa.
Longe do exercício voyeurista de quem fica à escuta do lado de fora, aquilo que Djaimilia Pereira de Almeida convoca em “As Telefones” é a imersão plena no corpo e na mente destas duas mulheres à conversa à medida que crescem, sobreviventes aos seus próprios silêncios como duas campeãs de mergulho olímpico. Só o auscultador sujo de dedadas de gordura, as cortinas laranja de flanela suja, o perfume que teima em permanecer nas coisas e cinco dentes de leite guardados num pedacinho de algodão são verdadeiros. Tudo o mais é fingimento, as recordações que contam uma da outra decalcadas das suas próprias recordações, firmes no balanço pelo veneno dos equívocos, os sonhos contados à pressa em chamadas matinais, como casas de pedra e cal nas suas vidas. Uma espécie de pacto, onde o importante é preservar as máscaras e deixar cair aos poucos a certeza daquilo que a cada uma pertence.
Descobrindo-se nesse ponto híbrido que é, ao mesmo tempo, memória, ensaio e ficção, “As Telefones” encerra uma reflexão profunda sobre as causas e consequências do distanciamento físico. Paradoxalmente, um livro que é um desfiar de desvios, imprecisões e omissões, resulta gigante na verdade que dele se derrama. Djaimilia Pereira de Almeida é tocante de honestidade e generosidade na forma como expõe uma realidade de contornos marcadamente pessoais e solidamente ligada ao fenómeno da diáspora. Ao leitor cabe o trabalho de catar as migalhas sobre a mesa, esfareladas pela mão da memória. De perceber o quanto da sua própria vida estará guardado numa caixa de madeira. E de partir em busca de respostas, cada vez mais certo da inutilidade da sua demanda. “Quantas vezes pode morrer uma mãe? Quantas vezes pode nascer uma filha?”
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