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domingo, 2 de agosto de 2020

LIVRO: "As Telefones"



LIVRO: “As Telefones”,
de Djaimilia Pereira de Almeida
Ed. Relógio D’Água Editores, Maio de 2020 


“Menina, vai dormir agora, mas fixa bem estas palavras, genro meu não é preto, não admito cá nenhum desses matumbos que andam aí e nem sabem o que é uma auto-estrada, não é auto-estrada que se diz aí?, não é escada rolante, é auto-estrada, era só o que me faltava! Dorme bem, filha, sim, a Mamã liga, como sempre, tchau, beijo, beijo...” 

Quando publicou “Esse Cabelo”, o seu romance de estreia, Djaimilia Pereira de Almeida referiu numa entrevista que “o ganho de procurar é procurar, interessando pouco ou nada o que se encontra”. E embora seja difícil contentarmo-nos com a incerteza quando procuramos saber quem somos, a resposta mais profícua, e a mais desconfortável, é chegar ao fim com uma pergunta, e outra, e outra. Seis anos volvidos, a escritora retoma a narrativa de “Esse Cabelo” naquilo que tem de busca da identidade, continuando a procurar e a achar mais perguntas do que respostas. Isso mesmo confirmamos em “As Telefones”, um livro que narra o viver e o sentir de Filomena e Solange, mãe e filha, seis mil quilómetros a separá-las, sensivelmente a distância que separa os subúrbios de Luanda dos subúrbios de Lisboa.

Longe do exercício voyeurista de quem fica à escuta do lado de fora, aquilo que Djaimilia Pereira de Almeida convoca em “As Telefones” é a imersão plena no corpo e na mente destas duas mulheres à conversa à medida que crescem, sobreviventes aos seus próprios silêncios como duas campeãs de mergulho olímpico. Só o auscultador sujo de dedadas de gordura, as cortinas laranja de flanela suja, o perfume que teima em permanecer nas coisas e cinco dentes de leite guardados num pedacinho de algodão são verdadeiros. Tudo o mais é fingimento, as recordações que contam uma da outra decalcadas das suas próprias recordações, firmes no balanço pelo veneno dos equívocos, os sonhos contados à pressa em chamadas matinais, como casas de pedra e cal nas suas vidas. Uma espécie de pacto, onde o importante é preservar as máscaras e deixar cair aos poucos a certeza daquilo que a cada uma pertence.

Descobrindo-se nesse ponto híbrido que é, ao mesmo tempo, memória, ensaio e ficção, “As Telefones” encerra uma reflexão profunda sobre as causas e consequências do distanciamento físico. Paradoxalmente, um livro que é um desfiar de desvios, imprecisões e omissões, resulta gigante na verdade que dele se derrama. Djaimilia Pereira de Almeida é tocante de honestidade e generosidade na forma como expõe uma realidade de contornos marcadamente pessoais e solidamente ligada ao fenómeno da diáspora. Ao leitor cabe o trabalho de catar as migalhas sobre a mesa, esfareladas pela mão da memória. De perceber o quanto da sua própria vida estará guardado numa caixa de madeira. E de partir em busca de respostas, cada vez mais certo da inutilidade da sua demanda. “Quantas vezes pode morrer uma mãe? Quantas vezes pode nascer uma filha?”

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