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sexta-feira, 17 de julho de 2020

CINEMA: Shortcutz Ovar 2020 | Sessão #38



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #38
Escola de Artes e Ofícios 
90 Minutos | Maiores de 16 anos
16 Jul 2020 | qui | 22:00 


Com confiança e em segurança, a quarta edição do Shortcutz Ovar vai fazendo o seu caminho. Ao esforço de adaptação a uma nova realidade em tempo de pandemia, continua a responder o público de forma particularmente afirmativa, acorrendo com entusiasmo ao lindíssimo espaço da Escola de Artes e Ofícios e fazendo questão de esgotar as sessões. Assim foi na noite de ontem, mau grado o calor que se fez sentir e um ou outro mosquito mais afoito que teimou em assistir à sessão à boleia de um braço, de um pescoço ou de uma careca. Mas a noite valeu francamente a pena, as badaladas do sino da torre da igreja a darem nota do compasso do tempo, o cheiro a estrume a marcar de forma intensa uma ruralidade da qual não nos queremos desfazer e, dentro da sala, muito e bom cinema em versão curta para ver.

Tal como nas sessões anteriores, a programação teve o cuidado de aglutinar as quatro obras exibidas em torno de uma unidade formal à qual poderíamos chamar “cronologia da vida” – a infância, a adolescência e a transição para a idade adulta preenchidas com um conjunto de narrativas onde cabem conceitos como os de ruptura e separação, aventura e descoberta, amizade e cumplicidade. O que abre, desde logo, uma via-rápida para “Ode à Infância”, primeira curta-metragem a passar no ecrã, um trabalho de animação da autoria de João Monteiro e Luís Vital, ambos licenciados em Design Animação e Multimédia pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politénico de Portalegre. Misturando o 2D Digital e a animação tradicional, o filme conta a história de uma menina que, passeando no Parque na companhia do seu superprotector pai, encontra uma outra menina com quem trava amizade. Este tempo de soltar amarras e de olhar pela primeira vez o mundo com os próprios olhos é tratado com extrema sensibilidade pela dupla de autores, transformando a experiência da descoberta num poema visual terno e delicado, a envolvente música de Tomás Almeida a tornar mais doce ainda o encontro feliz da cor com o riso, da emoção com o movimento.

Matilde Calado veio apresentar “Quando For Tarde”, primeira obra de ficção de uma jovem realizadora licenciada em Cinema Documental pela Escola Superior de Tecnologias de Abrantes e com uma pós-graduação em Discursos da Fotografia Contemporânea pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Fazendo recair o olhar sobre um universo povoado de príncipes encantados que não existem e de amores à primeira vista nos quais não acredita – “pelo menos não acreditava quando rodei o filme, agora não sei”, conta Matilde, o olhar feito de travessura, a desfazer-se numa gargalhada –, a realizadora faz de “Quando For Tarde” um retrato de um universo com raízes que mergulham no mais fundo de si própria, contando com a empatia e cumplicidade da actriz Mia Tomé para melhor fazer passar a mensagem. Habilmente montado em “split screen”, o filme convida o espectador a explorar as várias narrativas imagéticas de forma contemplativa, percebendo-se aqui a clara influência da fotografia como um dos grandes interesses de Matilde Calado. Mas este é um duplo canal que não corre em roda livre, a vontade da realizadora a prevalecer no momento de apagar um dos canais, o sobressalto do espectador que percebe estar sem rede numa corda inesperadamente bamba. Experimental, poético e pessoal, eis, em resumo, o princípio, meio e fim de “Quando For Tarde”.

Nascido em 1991 em Viana do Castelo e licenciado em Realização pela Escola Superior de Teatro e Cinema, Rui Esperança foi convidado a fechar a noite, apresentando duas obras cuja temática primou pela complementaridade. “18” e “Os Inúteis” instalam-se sobre a delicada fase de transição entre a juventude e a idade adulta, expondo a ambição, a angústia, o sonho e o medo como notas de uma pauta que é, ao mesmo tempo, a expressão de uma ode e de um requiem. Há diferenças formais muito vincadas entre ambos os trabalhos – ou não fosse “18” um documentário e “Os Inúteis” uma obra de ficção –, mas é muito interessante notar a unidade dos dois filmes em torno das questões sociais, os 18 valores de média do secundário como salvo-conduto para o curso pretendido, a idade dos 18 anos como ponto de viragem e de afirmação para quem deixa de ser um homenzinho e passa a ser um homem, as colocações longe de casa, um mercado de trabalho pouco atractivo e, depois, a afirmação pessoal do quão cosmopolitas, num mundo globalizado, todos podemos ser, tão próximos uns dos outros e tão distantes ao mesmo tempo, tão necessários e tão inúteis. Nota ainda para o excelente trabalho de imagem de Ana Mariz em ambos os filmes, o bom trabalho de representação de Filipa Matta e Marta Fatal em “Os Inúteis” e a pureza da Maria e da Rafa em “18”, condensando no olhar uma certeza: “Ter 18 anos é uma merda!”

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