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quarta-feira, 20 de maio de 2020

LIVRO: "Livro Sem Ninguém"



LIVRO: “Livro Sem Ninguém”, 
de Pedro Guilherme-Moreira 
Edição | Maria do Rosário Pedreira 
Ed. Publicações Dom Quixote, Fevereiro de 2014


“Cada pedaço de rua conta pequenas coisas todos os dias, tantas mais quanto a atenção com que se olha. Não há certezas e há uma incerteza: se o livro é mesmo sem ninguém.” 

De falta de originalidade não podemos acusar Pedro Guilherme-Moreira neste seu “Livro Sem Ninguém”. Nele, o autor pega num conjunto de histórias aparentemente simples e resolve “apagar” as pessoas que nelas habitam, quedando-se apenas com os traços da sua passagem. Ao leitor cabe o desafio de atentar nos objectos, rapidamente concluindo que só excepcionalmente o seu movimento é casual. Perceberá a azáfama da rua pelos carros que estacionam e, pelas sacas que passam nos passeios, de onde vêm e para onde vão, se há tempo ou não, doença ou saúde. Será capaz, até, de saber de uma solidão na soleira de uma porta. Colhidos os indícios através das coisas, é uma questão, “apenas”, de somá-los dois a dois, reconstruindo histórias e memórias, gentes, lugares e a vida que neles palpita.

Se todas as boas ideias resultassem em bons livros, teríamos as nossas bibliotecas repletas de obras-primas. A verdade, porém, é bem diferente, e “Livro Sem Ninguém” está aí para o confirmar. Há muito de denunciado nuns óculos Ray-Ban azuis, num boné de polícia ou num violino cigano. As histórias que convocam dificilmente carregam em si algo de novo. No livre curso que o leitor quiser dar à sua imaginação, é difícil carpinteirar enredos sem fugir ao cliché onde se afogam ódios e paixões, o pequeno delito ou o acidente doméstico que obriga a chamar uma ambulância ou pior ainda. Admirar-se-á o leitor com a sensibilidade e o bom gosto de Pedro Guilherme-Moreira na hora de combinar gazânias e orquídeas, bouvardias e miosótis, mas lamentará ter seguido o seu conselho e começado a tirar notas no mapa que é oferecido nas primeiras páginas do livro, depressa percebendo a sua inutilidade.

“Livro Sem Ninguém” não é um livro mau. Um livro que traz consigo imagens tão belas – objectos no topo da sucata que projectam sombras do passado, bolas de futebol de vários campeonatos da europa e do mundo às quais já faltam hexágonos, a outras pentágonos, a outras hexágonos e pentágonos, carvalhos-robles que contam histórias a canivete, relógios de sol que dão horas, um tango tocado no violino que é como um hino à liberdade ou ao longe, para lá das dunas e muito perto da linha de espuma, uma cana de pesca cravada na areia e uma bóia vermelha esquecida do Verão – nunca pode ser um livro mau. Mas para quem tanto prometia, o que fica resume-se a um punhado de ideias esparsas, acompanhado da sensação de termos à nossa frente um puzzle ao qual, eventualmente, faltam peças.

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