LIVRO: “As Crianças Invisíveis”,
de Patrícia Reis
Edição | Cecília Andrade
Ed. Publicações Dom Quixote, Maio de 2019“Mas são as regras e as regras são assim. Não vale a pena deixar a irritação transparecer. Não vale a pena dizer que já não é bebé. Sabe coisas que os adultos da Casa não sabem. E sobre isso não há discussão possível, é uma certeza que traz consigo. Todas as crianças invisíveis possuem um conhecimento extraordinário e inalcançável, algo que as separa das pessoas normais. Ditas normais.”
Partindo de um acórdão do Tribunal da Relação de Évora sobre o caso concreto de uma entrega de menor para adopção, Patrícia Reis convida-nos a entrar na “Casa” e a conhecer as suas “crianças invisíveis”. Diferentes entre si – nas certezas como nos sonhos, nas ânsias como nos medos –, são crianças que têm em comum o facto de terem sofrido maus tratos e sido retiradas às famílias biológicas, encontrando-se agora institucionalizadas, numa espécie de limbo, a aguardar uma família que as possa acolher, cuidar e amar. Uma família não natural, adquirida por escrito, por ordem de alguém, na qual o amor não é espontâneo, não nasce do corpo, do crescer dentro de si.
É sobre abandono, adopção e famílias de acolhimento que este livro nos fala. Também de leis, de juízes da lei, das equipas técnicas, das pessoas em geral, adultos que falam em código. De palavras como “protecção” e “direito adquirido”, que tanto podem ser a mesma coisa como o seu contrário. Mas “As Crianças Invisíveis” fala-nos, sobretudo, dessas mesmas crianças para quem uma mãe é alguém que abandona os filhos, as filhas, os bebés, os rebentos. Crianças que cerram os olhos com muita força apenas para conseguirem ver melhor. Crianças em cuja história existem mentiras que não o são. Crianças que aprenderam que não falar muito alto, não desarrumar nada, concordar com qualquer proposta e comer aquilo de que não se gosta, são fórmulas de sucesso para que possa existir a possibilidade de agradar a um potencial pai ou mãe. Crianças obrigadas a crescer depressa, para quem o futuro não é um lugar muito longe.
Estamos agora na Casa, os muros brancos por fora, às cores por dentro, com o seu portão verde gigante e a sua campainha com um som estridente. No recreio joga-se à bola, à macaca, ao “agora eu era maior e tinha um avião cor de laranja”. Hoje é sexta-feira e podem adormecer mais tarde. O Verão é tempo de ir à praia. Neste cenário de aparente normalidade, a complexa equação “tecto + comida + educação = suficiente” é facilmente aceite como válida para definir a felicidade de crianças que continuarão a não saber viver com perguntas que soam estranhas: Como estás? Precisas de alguma coisa? Sabes que a culpa não é tua, não sabes? É verdade que preferiria que Patrícia Reis refreasse a sua faceta de jornalista, evitando histórias paralelas nessa ânsia de expôr as incoerências e os podres do sistema. Que o livro seria tão melhor se não se “distraísse”, por um segundo, da personagem principal, a figura de M. construída delicadamente e com enorme subtileza. Isto não retira, porém, qualquer valor ao livro. A par do grito de denúncia, há nele uma mensagem de esperança que importa reter.
É sobre abandono, adopção e famílias de acolhimento que este livro nos fala. Também de leis, de juízes da lei, das equipas técnicas, das pessoas em geral, adultos que falam em código. De palavras como “protecção” e “direito adquirido”, que tanto podem ser a mesma coisa como o seu contrário. Mas “As Crianças Invisíveis” fala-nos, sobretudo, dessas mesmas crianças para quem uma mãe é alguém que abandona os filhos, as filhas, os bebés, os rebentos. Crianças que cerram os olhos com muita força apenas para conseguirem ver melhor. Crianças em cuja história existem mentiras que não o são. Crianças que aprenderam que não falar muito alto, não desarrumar nada, concordar com qualquer proposta e comer aquilo de que não se gosta, são fórmulas de sucesso para que possa existir a possibilidade de agradar a um potencial pai ou mãe. Crianças obrigadas a crescer depressa, para quem o futuro não é um lugar muito longe.
Estamos agora na Casa, os muros brancos por fora, às cores por dentro, com o seu portão verde gigante e a sua campainha com um som estridente. No recreio joga-se à bola, à macaca, ao “agora eu era maior e tinha um avião cor de laranja”. Hoje é sexta-feira e podem adormecer mais tarde. O Verão é tempo de ir à praia. Neste cenário de aparente normalidade, a complexa equação “tecto + comida + educação = suficiente” é facilmente aceite como válida para definir a felicidade de crianças que continuarão a não saber viver com perguntas que soam estranhas: Como estás? Precisas de alguma coisa? Sabes que a culpa não é tua, não sabes? É verdade que preferiria que Patrícia Reis refreasse a sua faceta de jornalista, evitando histórias paralelas nessa ânsia de expôr as incoerências e os podres do sistema. Que o livro seria tão melhor se não se “distraísse”, por um segundo, da personagem principal, a figura de M. construída delicadamente e com enorme subtileza. Isto não retira, porém, qualquer valor ao livro. A par do grito de denúncia, há nele uma mensagem de esperança que importa reter.
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