TEATRO: “Castro”
Texto | António Ferreira
Encenação | Nuno Cardoso
Cenografia | F. Ribeiro
Figurinos | Luís Buchinho
Movimento | Elisabete Magalhães
Dramaturgia e assistência de encenação | Ricardo Braun
Interpretação | Joana Carvalho, Rodrigo Santos, Pedro Frias, Margarida Carvalho, Afonso Santos, Mário Santos, João Melo, Maria Leite
Produção | Teatro Nacional São João
120 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Aveirense
07 Mar 2020 | sab | 16:00
“Rei – Ela que culpa tem?
Pacheco – dá ocasião.
Rei – Oh que ela não a dá, o Infante a toma. Que lei há que a condene, ou que justiça?
Conselheiro – O bem comum, Senhor, tem tais larguezas com que justifica obras duvidosas.
Rei – Assi que assentais nisto?
Conselheiro – Nisto. Morra
Pacheco – Morra
Rei – uma inocente
Conselheiro – que nos mata!
Rei – Não haverá outro meio?
Pacheco – Não o temos
Rei – Metê-la-ei num convento
Conselheiro – Ei-lo queimado”...
Os espectadores entram na sala e são imediatamente tomados por uma estranheza enorme, o cenário dando a ver os vários compartimentos duma casa de habitação, a sala e a cozinha no piso inferior, lá em cima um quarto de dormir, uma casa de banho e um escritório. A iluminação é cálida, há televisores e leitores de CD, uma chaleira eléctrica e um micro-ondas, um portátil que repousa numa secretária. Há imagens de vídeo projectadas sobre o cenário, a presença espectral duma mulher que se lava, (se purifica?). Em suma, há tudo o que não havia em 1587, quando António Ferreira escreveu “Castro”, a primeira tragédia clássica portuguesa e que tem por base a vida e morte de Inês de Castro. Quando “o pano sobe” e os actores se começam a suceder em palco, é de um tempo agora que continuamos a falar, nas roupas como nos gestos a marca da modernidade. Resta a palavra, o texto. E, aí, a tudo se torna claro!
Nesta “Castro”, que Nuno Cardoso encena e à qual os espectadores aveirenses puderam assistir em primeira mão, estamos perante mais um daqueles dispositivos cénicos que servem os propósitos do encenador pela sua funcionalidade mas que nada acrescentam à peça. É este o cenário, como poderia ser outro qualquer. A verdade é que a estranheza se dissipa assim que se soltam as primeiras palavras. É que este é um texto absolutamente genial e que se impõe por si só, abafando qualquer ruído que possa estabelecer-se à sua volta. Mais importante, ainda: Nuno Cardoso é-lhe fidelíssimo. Colocando a tónica na beleza clássica das palavras, o encenador permite que venha à tona a extraordinária potencialidade de espectáculo dos diálogos, aqui, sim, residindo a verdadeira nota de modernidade da peça.
Uma tragédia amorosa com esta força e intensidade, com este dramatismo, só funciona se ancorada em interpretações de qualidade. As suas personagens não são dedos de uma luva que possam caber a qualquer actor. Também aqui, Nuno Cardoso se mostrou exímio nas escolhas que fez, rodeando-se de um conjunto de actores que conhece bem e que se revelam perfeitos nos seus papéis. Maria Leite, personificando o Coro, será o elo mais fraco de uma cadeia que tem, nas representações de Joana Carvalho e Rodrigo Santos, respectivamente a Castro e o Infante D. Pedro, momentos fortíssimos de expressividade e emoção. O monólogo final, com as juras de vingança de D. Pedro de Portugal, é um enorme momento de teatro e uma singular marca do génio interpretativo deste jovem actor. Pelo que é e pelo que representa na história da literatura e do teatro em Portugal, “Castro” é uma verdadeira jóia, merecedora de um maior conhecimento e divulgação. O trabalho de Nuno Cardoso e destes actores cumpre esse papel na perfeição, garantindo à peça um lugar de destaque no conjunto de espectáculos que marcam presença em palco neste ano de 2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário