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segunda-feira, 9 de março de 2020

CINEMA: "Mosquito"



CINEMA: “Mosquito” 
Realização | João Nuno Pinto 
Argumento | Fernanda Polacow, Gonçalo Waddington 
Fotografia | Adolpho Veloso 
Montagem | Gustavo Giani 
Interpretação | João Nunes Monteiro, Sebastian Jehkul, Josefina Massango, Ana Magaia, Camané, João Lagarto, Filipe Duarte, Alfredo Brito, Miguel Moreira, Miguel Borges, Cesário Monteiro, João Vicente, Manuel João Vieira, Nuno Preto, António Nipita, Messias João 
Produção | Paulo Branco 
Portugal, França, Brasil, Moçambique | 2019 | Drama, Guerra | 122 Minutos | M/14 
Cinema Dolce Espaço 
08 Mar 2020 | dom | 18:15


O filme abre com um plano onde, sobre um mar calmo, voga um pequeno barco carregado de soldados. A praia aproxima-se e, ao seu encontro, com água pela barriga, vem um militar, acompanhado por um numeroso grupo de indivíduos de raça negra. “Onde está o molhe para desembarcarmos”, pergunta o sargento, do interior do barco. “Não há molhe, mas temos pretos”, replica o oficial em tom de troça, enquanto aponta para um conjunto de negros obedientes que se preparam para transportar para terra, sobre os ombros, cada um dos soldados acabados de chegar. Estas imagens, pelo que representam e deixam antever, são, paradoxalmente, o melhor e o pior de “Mosquito”, segundo filme do realizador João Nuno Pinto e que vem de estrear entre nós. O melhor, porque a sequência é, toda ela, fortíssima, permitindo intuir estarmos perante um filme onde, a um argumento forte que aflore problemáticas como o racismo e o colonialismo, se juntem a solidez técnica e o rigor estético. O pior, porque nada disso vem a confirmar-se! 

Livremente inspirado na história verídica do avô do realizador em África, o filme leva-nos ao encontro de Zacarias, um jovem português sedento por viver grandes aventuras heróicas durante a primeira Guerra Mundial. Incorporado na 4ª Companhia Expedicionária Portuguesa, ao invés da tão desejada França, o militar acaba por ser enviado para Moçambique, onde o conflito se desenrola longe dos olhares do mundo. Retido durante três semanas numa cama de hospital devido ao paludismo e deixado para trás pelos seus camaradas, acabará por partir mais tarde, encetando uma atribulada odisseia mato adentro, ao longo da qual virá a descobrir que, na vastidão e beleza da selva africana, os ciclos da vida e da morte são encarados tão naturalmente como a subjugação dos povos locais pelos europeus através do domínio colonial.

Desenganem-se aqueles que estariam à espera de um retrato fiel da experiência colonial portuguesa no dealbar do século XX, num cenário de guerra necessariamente diferente daquele que viria a ter lugar mais tarde, entre 1961 e 1974. A verdade é que, só a espaços e de forma muito denunciada, o assunto é abordado. O que mais sobressai é a “colagem” da figura do soldado Zacarias à do capitão Willard, nesta sua viagem ao “coração das trevas”, que transforma o filme num “Apocalipse Now à portuguesa” entediante e desconexo. Com tanto e tão bom material entre mãos, rodeado de bons técnicos e com meios de produção acima da média, João Nuno Pinto ter-se-á deslumbrado e, febril, quis tocar todas as guitarras ao mesmo tempo. Salva-se a representação extraordinariamente focada de João Nunes Monteiro, no papel de Zacarias, bem como o trabalho de fotografia. Em sentido inverso corre um argumento afogado nas suas próprias ideias e uma montagem a fazer lembrar tempos antigos, quando nas salas de cinema o projeccionista se enganava e trocava a ordem das bobines. Tempo perdido!

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