LIVRO: “Os Fios”,
de Sandra Catarino
Edição | Maria do Rosário
Pedreira
Ed. Casa das Letras, Agosto de 2018
“Isto é um pássaro do Japão. Se fizerem mil pássaros destes, podem pedir um desejo”.
Feita de histórias e memórias, a aldeia deste romance não será diferente de muitas aldeias do interior. Isolada do mundo, para além das pedras grandes, é no
Fundo do Lugar que vamos encontrar Antónia, Violeta e Emília, três
mulheres que guardam viva a identidade da aldeia e se aprestam a
vir ao nosso encontro para, na primeira pessoa, nos mostrarem as
linhas com que se coze toda uma ruralidade em estado bruto. Numa
noite de temporal, ao Fundo do Lugar chegam Francesco e a pequenina
Maddalena. Consigo carregam um passado do qual nada se sabe e, com
ele, um emaranhado de fios que se irão juntar à vasta malha de
acasos que – assim o quer o destino – liga os poucos que ainda
restam àqueles que partiram.
Da imensa ternura que Sandra Catarino coloca na construção das suas
personagens – do “homem de outra língua” aos “velhos mais
velhos”, passando por essas três mulheres únicas, cujo saber e
experiência faz delas os oráculos da aldeia –, recolhem os fios deste romance a necessária robustez com que constroem uma ponte a unir as suas páginas ao coração do leitor. Compondo as emoções
de forma apaixonada, a autora dá-nos a ver um trabalho de filigrana
em cuja textura assentam o luto e a solidão, a dor e a culpa, o
orgulho e o preconceito, a imensa saudade que podemos sentir até das
coisas mais simples, mas também os risos e as lágrimas de
felicidade, os jogos e as brincadeiras, o muito querer e o muito
amar.
Livro que se saboreia em estado de
permanente encantamento, “Os Fios” é uma primeira obra delicada
como o voo de um pássaro de papel do Japão ou uma melodia que se
derrama das cordas de um violino. Através dele, Sandra Catarino
mergulha no mais fundo da alma humana, oferecendo ao leitor um longo
poema em prosa, que seduz pela escrita engenhosa e comove pela
subtileza da mensagem. Associações de ideias, reflexões, o que
sabemos (ou julgamos saber) dos outros e de nós mesmos, tudo são
fios que nos envolvem e nos provam a sua real natureza. Macios e
aconchegantes ou ásperos e desagradáveis, grossos como os cabos de
um navio ou finos como a teia de uma aranha, são eles que
determinam aquilo que fomos e somos, que asseguram a nossa identidade e nos ligam
uns aos outros, como Sandra Catarino tão bem demonstra e que o
leitor, com enorme prazer, comprovará.
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