Páginas

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LIVRO: "Os Fios"



LIVRO: “Os Fios”,
de Sandra Catarino
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Casa das Letras, Agosto de 2018


“Isto é um pássaro do Japão. Se fizerem mil pássaros destes, podem pedir um desejo”.

Feita de histórias e memórias, a aldeia deste romance não será diferente de muitas aldeias do interior. Isolada do mundo, para além das pedras grandes, é no Fundo do Lugar que vamos encontrar Antónia, Violeta e Emília, três mulheres que guardam viva a identidade da aldeia e se aprestam a vir ao nosso encontro para, na primeira pessoa, nos mostrarem as linhas com que se coze toda uma ruralidade em estado bruto. Numa noite de temporal, ao Fundo do Lugar chegam Francesco e a pequenina Maddalena. Consigo carregam um passado do qual nada se sabe e, com ele, um emaranhado de fios que se irão juntar à vasta malha de acasos que – assim o quer o destino – liga os poucos que ainda restam àqueles que partiram.

Da imensa ternura que Sandra Catarino coloca na construção das suas personagens – do “homem de outra língua” aos “velhos mais velhos”, passando por essas três mulheres únicas, cujo saber e experiência faz delas os oráculos da aldeia –, recolhem os fios deste romance a necessária robustez com que constroem uma ponte a unir as suas páginas ao coração do leitor. Compondo as emoções de forma apaixonada, a autora dá-nos a ver um trabalho de filigrana em cuja textura assentam o luto e a solidão, a dor e a culpa, o orgulho e o preconceito, a imensa saudade que podemos sentir até das coisas mais simples, mas também os risos e as lágrimas de felicidade, os jogos e as brincadeiras, o muito querer e o muito amar.

Livro que se saboreia em estado de permanente encantamento, “Os Fios” é uma primeira obra delicada como o voo de um pássaro de papel do Japão ou uma melodia que se derrama das cordas de um violino. Através dele, Sandra Catarino mergulha no mais fundo da alma humana, oferecendo ao leitor um longo poema em prosa, que seduz pela escrita engenhosa e comove pela subtileza da mensagem. Associações de ideias, reflexões, o que sabemos (ou julgamos saber) dos outros e de nós mesmos, tudo são fios que nos envolvem e nos provam a sua real natureza. Macios e aconchegantes ou ásperos e desagradáveis, grossos como os cabos de um navio ou finos como a teia de uma aranha, são eles que determinam aquilo que fomos e somos, que asseguram a nossa identidade e nos ligam uns aos outros, como Sandra Catarino tão bem demonstra e que o leitor, com enorme prazer, comprovará.

Sem comentários:

Enviar um comentário