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sábado, 22 de junho de 2019

LIVRO: "A Mulher Que Correu Atrás Do Vento"



LIVRO: “A Mulher Que Correu Atrás Do Vento”,
de João Tordo
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Março de 2019


“Porque haveria um escritor português de se interessar por uma compositora alemã que é praticamente desconhecida?
Porque é isso que os escritores fazem, respondeu Eduardo, interessam-se pelas coisas que não interessam a mais ninguém.”

Não sei se deva invocar o “alinhamento dos astros” ou uma “química especial”, a verdade é que há na escrita de João Tordo algo que me atrai e me faz ficar agarrado aos seus livros desde o primeiro instante. É uma arte, reconheço, feita de cabeça e coração em partes iguais e que neste “A Mulher Que Correu Atrás Do Vento” se traduz na subtileza com que nos introduz no universo das personagens de Beatriz, Lisbeth, Graça e Lia, nessa forma de nos dar a ver estas mulheres pelo seu lado mais fascinante. Mas não era assim também nos anteriores “Ensina-Me A Voar Sobre Os Telhados”, “Crónica dos Amantes Involuntários” ou “Hotel Memória”, para citar apenas alguns?

Eis-me, pois, preso ao livro desde a primeira página e a mergulhar num objecto que é, mais do que uma história (ou várias histórias) muito bem contada, uma irónica reflexão sobre o acto da escrita e as infindáveis possibilidades que se abrem ao escritor no exercício da sua arte. “A Mulher Que Correu Atrás Do Vento” é, se o quisermos ver desta forma, um “manual da manipulação” ou “de como levar o leitor pela trela” ao longo de mais de quatrocentas e cinquenta páginas, dando-lhe apenas a “rédea” necessária para que não se espalhe (e, com ele, o livro). E assim, a par das quatro mulheres já referidas, vamos encontrar também um escritor, personagem que João Tordo recupera de um dos seus livros anteriores, um tipo que personifica o próprio autor, criatura e criador unidos para nos virem dizer que a vida é um livro, ou o livro dentro de um livro.

Dividida em múltiplas perspectivas, escrita em vários tons, repleta de vozes diferentes e, por vezes, contraditórias, “A Mulher Que Correu Atrás Do Vento” serve para João Tordo baralhar as cartas da realidade e da ficção e nos vir dizer, em tom professoral, “que esta narrativa – como todas as narrativas – não trata do que é, mas do que poderia ter sido; não do que foi, mas do que poderia ser”. O cinismo com que o escritor (o criador) se revela acima do comum dos mortais, o seu lado irritantemente narcisista que não se coíbe de exibir, passeiam-se aqui de mãos dadas com os reflexos de vidas perdidas, enjauladas em si mesmas, afastadas de tudo e de todos e para quem, na morte, reside a única salvação. Citando James Joyce – de quem este livro está impregnado -, recordarei: “Life is too short to read a bad book.” Com João Tordo não se corre nunca este risco!

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