LIVRO: “A Mulher Que Correu Atrás
Do Vento”,
de João Tordo
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Março de
2019
“Porque haveria um escritor português
de se interessar por uma compositora alemã que é praticamente
desconhecida?
Porque é isso que os escritores fazem,
respondeu Eduardo, interessam-se pelas coisas que não interessam a
mais ninguém.”
Não sei se deva invocar o “alinhamento
dos astros” ou uma “química especial”, a verdade é que há na
escrita de João Tordo algo que me atrai e me faz ficar agarrado aos
seus livros desde o primeiro instante. É uma arte, reconheço, feita
de cabeça e coração em partes iguais e que neste “A Mulher Que
Correu Atrás Do Vento” se traduz na subtileza com que nos introduz
no universo das personagens de Beatriz, Lisbeth, Graça e Lia, nessa
forma de nos dar a ver estas mulheres pelo seu lado mais fascinante.
Mas não era assim também nos anteriores “Ensina-Me A Voar Sobre
Os Telhados”, “Crónica dos Amantes Involuntários” ou “Hotel
Memória”, para citar apenas alguns?
Eis-me, pois, preso ao livro desde a
primeira página e a mergulhar num objecto que é, mais do que uma
história (ou várias histórias) muito bem contada, uma irónica
reflexão sobre o acto da escrita e as infindáveis possibilidades
que se abrem ao escritor no exercício da sua arte. “A Mulher Que
Correu Atrás Do Vento” é, se o quisermos ver desta forma, um
“manual da manipulação” ou “de como levar o leitor pela
trela” ao longo de mais de quatrocentas e cinquenta páginas, dando-lhe apenas a “rédea”
necessária para que não se espalhe (e, com ele, o livro). E assim,
a par das quatro mulheres já referidas, vamos encontrar também um
escritor, personagem que João Tordo recupera de um dos seus livros
anteriores, um tipo que personifica o próprio autor, criatura e
criador unidos para nos virem dizer que a vida é um livro, ou o
livro dentro de um livro.
Dividida em múltiplas perspectivas,
escrita em vários tons, repleta de vozes diferentes e, por vezes,
contraditórias, “A Mulher Que Correu Atrás Do Vento” serve para
João Tordo baralhar as cartas da realidade e da ficção e nos vir
dizer, em tom professoral, “que esta narrativa – como todas as
narrativas – não trata do que é, mas do que poderia ter sido; não
do que foi, mas do que poderia ser”. O cinismo com que o escritor
(o criador) se revela acima do comum dos mortais, o seu lado
irritantemente narcisista que não se coíbe de exibir, passeiam-se
aqui de mãos dadas com os reflexos de vidas perdidas, enjauladas em
si mesmas, afastadas de tudo e de todos e para quem, na morte, reside a única
salvação. Citando James Joyce – de quem este livro está
impregnado -, recordarei: “Life is too short to read a bad book.”
Com João Tordo não se corre nunca este risco!
Sem comentários:
Enviar um comentário