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quinta-feira, 16 de maio de 2019

TEATRO: "Argila"



TEATRO: “Argila”
Encenação e co-criação | Bruno Martins
Interpretação e co-criação |André Araújo, Ariana Silva, Cláudia Berkeley
Cenografia | Colectivo Monte
Desenho de luz | Valter Alves
Direção e composição musical | Rui Souza
Direção de Produção | Marta Lima
Produção | Teatro da Didascália, Centro de Arte de Ovar
60 Minutos | Maiores de 12 anos
FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Auditório Municipal de Gaia
12 Mai 2019 | dom | 15:00


Se há palavras que me fazem recuar ao período da infância, argila é uma delas. Nasci em terra de oleiros, cresci à sombra de uma fábrica de tijolos à qual um assombroso incêndio pôs fim numa noite quente de Verão e sempre tive um natural fascínio pelo barro e pela arte de o trabalhar, um pedaço de matéria informe a cheirar a terra de súbito a ganhar corpo num par de voltas da roda do artífice. Talvez por esse motivo, não pude deixar de sorrir quando recebi a original folha de sala da peça de teatro “Argila”, os meus dedos a rodarem os dois círculos sobrepostos de dimensões diferentes, os desenhos neles inscritos em fantásticos encontros e desencontros, a evolução das espécies a materializar-se, a frase “no princípio era o verbo” ao encontro do criador e da criação.

O dispositivo cénico é simples. Há uma roda a girar no centro do palco, sobre ela um “tapete” de argila e sobre a argila três seres. De início muito rudimentares, os seus movimentos vão ganhando amplitude, vencendo assimetrias, o gesto cada vez mais preciso, o equilíbrio enfim conquistado. Neste processo evolutivo, estes seres vão tomando consciência de si e do espaço que os rodeia, aprendem a conhecer-se, a estruturar-se, a conviverem entre si enquanto grupo, a relacionarem-se com outros grupos. Descobrem que têm a capacidade de emitir sons e que a sua articulação, quando organizada, dá lugar à linguagem. Sentem, enfim, que no seu íntimo há lugar para o outro, buscando-o, amando-o, assim mantendo em marcha esta roda do grande oleiro no fantástico processo da criação.

Depois da massa fresca do pão e da farinha traçando o imaginário absurdo de um padeiro solitário (“One Man Alone”, 2014) e dos materiais de construção civil e da sua relação atribulada com um vigilante nocturno (“O Vigilante Nocturno”, 2018), o colectivo Teatro da Didascália volta a centrar a sua atenção nos materias e na sua manipulação, levando à cena “Argila”, uma co-produção com o Centro de Artes de Ovar. Estamos aqui perante um exercício de teatro físico, as artes circenses sempre presentes, a resistência e capacidade de concentração dos actores postas continuamente à prova. André Araújo, Ariana Silva e Cláudia Berkeley mostram-se irrepreensíveis nos seus papéis, metamorfoseando-se de forma subtil para nos contarem uma história com início há 4,5 mil milhões de anos. Uma história onde cabem o barro e o sangue, o silêncio e o grito, a ternura e a lágrima, a dor e o amor.

[Foto: Jonathan da Costa / teatrodadidascalia.com]

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