TEATRO: “Argila”
Encenação e co-criação | Bruno
Martins
Interpretação e co-criação
|André Araújo, Ariana Silva, Cláudia Berkeley
Cenografia | Colectivo Monte
Desenho de luz | Valter Alves
Direção e composição musical |
Rui Souza
Direção de Produção | Marta Lima
Produção | Teatro da Didascália,
Centro de Arte de Ovar
60 Minutos | Maiores de 12 anos
FITEI – Festival Internacional de
Teatro de Expressão Ibérica
Auditório Municipal de Gaia
12 Mai 2019 | dom | 15:00
Se há palavras que me fazem recuar ao
período da infância, argila é uma delas. Nasci em terra de
oleiros, cresci à sombra de uma fábrica de tijolos à qual um
assombroso incêndio pôs fim numa noite quente de Verão e sempre
tive um natural fascínio pelo barro e pela arte de o trabalhar, um
pedaço de matéria informe a cheirar a terra de súbito a ganhar
corpo num par de voltas da roda do artífice. Talvez por esse motivo,
não pude deixar de sorrir quando recebi a original folha de sala da
peça de teatro “Argila”, os meus dedos a rodarem os dois
círculos sobrepostos de dimensões diferentes, os desenhos neles
inscritos em fantásticos encontros e desencontros, a
evolução das espécies a materializar-se, a frase “no princípio era
o verbo” ao encontro do criador e da criação.
O dispositivo cénico é simples. Há
uma roda a girar no centro do palco, sobre ela um “tapete” de
argila e sobre a argila três seres. De início muito rudimentares, os
seus movimentos vão ganhando amplitude, vencendo assimetrias, o
gesto cada vez mais preciso, o equilíbrio enfim conquistado. Neste
processo evolutivo, estes seres vão tomando consciência de si e do espaço que os rodeia, aprendem a conhecer-se, a
estruturar-se, a conviverem entre si enquanto grupo, a
relacionarem-se com outros grupos. Descobrem que têm a capacidade de
emitir sons e que a sua articulação, quando organizada, dá lugar à
linguagem. Sentem, enfim, que no seu íntimo há lugar para o outro,
buscando-o, amando-o, assim mantendo em marcha esta roda do grande oleiro no fantástico processo da criação.
Depois da massa fresca do pão e da
farinha traçando o imaginário absurdo de um padeiro solitário
(“One Man Alone”, 2014) e dos materiais de construção civil e
da sua relação atribulada com um vigilante nocturno (“O Vigilante
Nocturno”, 2018), o colectivo Teatro da Didascália volta a centrar
a sua atenção nos materias e na sua manipulação, levando à cena
“Argila”, uma co-produção com o Centro de Artes de Ovar.
Estamos aqui perante um exercício de teatro físico, as artes
circenses sempre presentes, a resistência e capacidade de
concentração dos actores postas continuamente à prova. André
Araújo, Ariana Silva e Cláudia Berkeley mostram-se irrepreensíveis
nos seus papéis, metamorfoseando-se de forma subtil para nos
contarem uma história com início há 4,5 mil milhões de
anos. Uma história onde cabem o barro e o sangue, o silêncio
e o grito, a ternura e a lágrima, a dor e o amor.
[Foto: Jonathan da Costa /
teatrodadidascalia.com]
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