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domingo, 19 de maio de 2019

TEATRO: "Ala de Criados"



TEATRO: “Ala de Criados”,
de Maurício Kartun
Encenação | Marco Antonio Rodrigues
Cenografia e Figurinos | O Teatrão
Construção de Cenário | Colectivo Monte – Residência Circolando
Apoio ao movimento | Ana Figueiredo, Ana Seiça
Interpretação | Isabel Craveiro, João Santos, Rui Raposo, Telmo Ferreira
Produção | Cátia Oliveira
100 Minutos | Maiores de 16
FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Auditório Municipal de Gaia
18 Mai 2019 | sab | 19:00


Fiel a um modelo de escrita teatral que privilegia a crítica social e a reflexão sobre os controversos padrões políticos e económicos que tendem a reger as sociedades, o argentino Mauricio Kartun volta a fincar o dente no pescoço de ricos e poderosos com “Ala de Criados”. Recuando um século no tempo e fazendo situar a acção na “Semana Trágica” - conflito que opôs os trabalhadores da incipiente indústria argentina à classe política e ao meio empresarial, ocorrido em Janeiro de 1919 -, o dramaturgo conta-nos a história dos muito finos e aristocráticos primos Guerra (Tatana, Emilito e Pancho), “refugiados” num elegante clube de Mar del Plata durante os acontecimentos, onde passando os dias no marasmo dos banhos de sol, a atirarem aos pombos e a beber Bloody Mary, àen quanto esperam que tudo regresse à normalidade.

De forma ambígua e com tanto de cinismo como de crueldade, Kartun introduz no mundo destes primos a personagem de Pedro Testa, modesto empresário do negócio dos pombos e fornecedor do clube de tiro, por momentos chamado a um convívio mais íntimo com os ricos, convencendo-se então que também é um deles. Mas o tempo vai passando e o tédio instala-se. Torna-se urgente fazer alguma coisa. Com a ajuda de Pedro e das suas armas, os três primos contribuirão para o esmagamento da revolta cujo trágico saldo se contará em sete centenas de mortos. Do alto da sua soberba, com mão de ferro, os ricos seguirão ditando as suas leis.

Começando pelos actores, diremos que se mostram exemplares em papéis deveras desafiantes. Isabel Craveiro, João Santos e Telmo Ferreira, encarnando respectivamente Tatana, Pancho e Emilito, carregam em si essa atitude paternalista e hipócrita de quem tudo pode e que, a nós, espectadores, agonia e atrai ao mesmo tempo, enojados de tanta pulhice mas não imunes à atracção que a riqueza dita. E depois há Rui Raposo, o Pedra Testa da peça, palavroso, bem falante, a dar-se ares, “dono da situação” na hora de distribuir as armas, fracassando no momento de as receber de volta, o feitiço a virar-se, enfim, contra o feiticeiro. Finalmente, o texto: Em país de Salgados, Berardos & Companhia, todos tão encantadores, tão gente de bem, tão unha e carne uns com os outros, todos sorrisos, ver “Ala de Criados” é mergulhar na podridão do mundo dos ricos. Ali se espelha uma certa sociedade tal como ela é, com as suas misérias e as suas vãs glórias, a vida a duas velocidades, portugueses de primeira e de segunda, as desigualdades sociais cada vez mais vincadas. Daí também o desconforto, “uma força a crescer-te nos dedos e uma raiva a nascer-te nos dentes”. A ver, absolutamente!

[Foto: Carlos Gomes / facebook.com/oteatrao]

quinta-feira, 16 de maio de 2019

TEATRO: "Argila"



TEATRO: “Argila”
Encenação e co-criação | Bruno Martins
Interpretação e co-criação |André Araújo, Ariana Silva, Cláudia Berkeley
Cenografia | Colectivo Monte
Desenho de luz | Valter Alves
Direção e composição musical | Rui Souza
Direção de Produção | Marta Lima
Produção | Teatro da Didascália, Centro de Arte de Ovar
60 Minutos | Maiores de 12 anos
FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Auditório Municipal de Gaia
12 Mai 2019 | dom | 15:00


Se há palavras que me fazem recuar ao período da infância, argila é uma delas. Nasci em terra de oleiros, cresci à sombra de uma fábrica de tijolos à qual um assombroso incêndio pôs fim numa noite quente de Verão e sempre tive um natural fascínio pelo barro e pela arte de o trabalhar, um pedaço de matéria informe a cheirar a terra de súbito a ganhar corpo num par de voltas da roda do artífice. Talvez por esse motivo, não pude deixar de sorrir quando recebi a original folha de sala da peça de teatro “Argila”, os meus dedos a rodarem os dois círculos sobrepostos de dimensões diferentes, os desenhos neles inscritos em fantásticos encontros e desencontros, a evolução das espécies a materializar-se, a frase “no princípio era o verbo” ao encontro do criador e da criação.

O dispositivo cénico é simples. Há uma roda a girar no centro do palco, sobre ela um “tapete” de argila e sobre a argila três seres. De início muito rudimentares, os seus movimentos vão ganhando amplitude, vencendo assimetrias, o gesto cada vez mais preciso, o equilíbrio enfim conquistado. Neste processo evolutivo, estes seres vão tomando consciência de si e do espaço que os rodeia, aprendem a conhecer-se, a estruturar-se, a conviverem entre si enquanto grupo, a relacionarem-se com outros grupos. Descobrem que têm a capacidade de emitir sons e que a sua articulação, quando organizada, dá lugar à linguagem. Sentem, enfim, que no seu íntimo há lugar para o outro, buscando-o, amando-o, assim mantendo em marcha esta roda do grande oleiro no fantástico processo da criação.

Depois da massa fresca do pão e da farinha traçando o imaginário absurdo de um padeiro solitário (“One Man Alone”, 2014) e dos materiais de construção civil e da sua relação atribulada com um vigilante nocturno (“O Vigilante Nocturno”, 2018), o colectivo Teatro da Didascália volta a centrar a sua atenção nos materias e na sua manipulação, levando à cena “Argila”, uma co-produção com o Centro de Artes de Ovar. Estamos aqui perante um exercício de teatro físico, as artes circenses sempre presentes, a resistência e capacidade de concentração dos actores postas continuamente à prova. André Araújo, Ariana Silva e Cláudia Berkeley mostram-se irrepreensíveis nos seus papéis, metamorfoseando-se de forma subtil para nos contarem uma história com início há 4,5 mil milhões de anos. Uma história onde cabem o barro e o sangue, o silêncio e o grito, a ternura e a lágrima, a dor e o amor.

[Foto: Jonathan da Costa / teatrodadidascalia.com]