TEATRO: “Ala de Criados”,
de Maurício Kartun
Encenação | Marco Antonio
Rodrigues
Cenografia e Figurinos | O Teatrão
Construção de Cenário | Colectivo
Monte – Residência Circolando
Apoio ao movimento | Ana Figueiredo,
Ana Seiça
Interpretação | Isabel Craveiro,
João Santos, Rui Raposo, Telmo Ferreira
Produção | Cátia Oliveira
100 Minutos | Maiores de 16
FITEI – Festival Internacional de
Teatro de Expressão Ibérica
Auditório Municipal de Gaia
18 Mai 2019 | sab | 19:00
Fiel a um modelo de escrita teatral que
privilegia a crítica social e a reflexão sobre os controversos
padrões políticos e económicos que tendem a reger as sociedades, o
argentino Mauricio Kartun volta a fincar o dente no pescoço de ricos
e poderosos com “Ala de Criados”. Recuando um século no tempo e
fazendo situar a acção na “Semana Trágica” - conflito que opôs
os trabalhadores da incipiente indústria argentina à classe
política e ao meio empresarial, ocorrido em Janeiro de 1919 -, o
dramaturgo conta-nos a história dos muito finos e aristocráticos
primos Guerra (Tatana, Emilito e Pancho), “refugiados” num
elegante clube de Mar del Plata durante os acontecimentos, onde passando os dias no marasmo dos
banhos de sol, a atirarem aos pombos e a beber Bloody Mary, àen quanto esperam que tudo regresse à normalidade.
De forma ambígua e com tanto de
cinismo como de crueldade, Kartun introduz no mundo destes primos a
personagem de Pedro Testa, modesto empresário do negócio dos pombos
e fornecedor do clube de tiro, por momentos chamado a um convívio
mais íntimo com os ricos, convencendo-se então que também é um
deles. Mas o tempo vai passando e o tédio instala-se. Torna-se
urgente fazer alguma coisa. Com a ajuda de Pedro e das suas armas, os três primos contribuirão para o esmagamento da revolta cujo trágico saldo se contará em sete centenas de mortos. Do alto da sua
soberba, com mão de ferro, os ricos seguirão ditando as suas leis.
Começando pelos actores, diremos que
se mostram exemplares em papéis deveras desafiantes. Isabel Craveiro, João Santos e Telmo Ferreira, encarnando respectivamente Tatana, Pancho e Emilito, carregam em
si essa atitude paternalista e hipócrita de quem tudo pode e que, a nós, espectadores, agonia e atrai ao mesmo tempo, enojados de tanta pulhice mas não imunes à atracção que a riqueza dita. E depois há Rui Raposo, o Pedra Testa da peça, palavroso, bem falante, a dar-se
ares, “dono da situação” na hora de distribuir as armas, fracassando no momento de as receber de volta, o feitiço a
virar-se, enfim, contra o feiticeiro. Finalmente, o texto: Em país de
Salgados, Berardos & Companhia, todos tão encantadores, tão gente de bem,
tão unha e carne uns com os outros, todos sorrisos, ver “Ala de
Criados” é mergulhar na podridão do mundo dos ricos. Ali se espelha
uma certa sociedade tal como ela é, com as suas misérias e as suas vãs glórias, a vida a duas velocidades, portugueses de primeira e de
segunda, as desigualdades sociais cada vez mais vincadas. Daí também
o desconforto, “uma força a crescer-te nos dedos e uma raiva a
nascer-te nos dentes”. A ver, absolutamente!
[Foto: Carlos Gomes /
facebook.com/oteatrao]
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