CONCERTO: “Archivo Pittoresco”,
de Lula Pena
Academia de Espinho – Auditório
11 Mai 2019 | sab | 21:30
“Não queria ser o dia / Porém o
momento
Muito menos ser concerto / Apenas a
canção”
Escutei Lula Pena pela primeira vez nos
jardins do Centro Cultural Vila For, em Setembro de 2017. “Archivo
Pittoresco”, o seu terceiro álbum, acabava de sair e a expectativa
não podia ser maior. Sentado na relva, o céu estrelado a desenhar
uma concha acústica de limites infinitos, fui envolvido por aquela
voz e aquela musica e, no embalo duma sonoridade única, fechei os
olhos e deixei-me guiar numa viagem hipnótica mar adentro. Dei por
mim de visita às costas da Sardenha, a percorrer o Chile, a
banhar-me no Amazonas, a ir do Algarve ao país Basco e a chegar a
terras do Novo Mundo. Escutei o grego e o sardo misturados com o
português, o inglês, o espanhol ou o italiano e senti o quão
próximo o “phado” está da bossa nova, o flamenco da “chanson
française”. Então levantei os olhos e vi, sentados ao meu lado,
Chico Buarque, Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, Amália Rodrigues,
um trovador medieval e uma ceifeira de Pias. Todos eles escutavam a
cantora e a sua música, um sorriso de felicidade desenhado nos
rostos serenos e muito belos.
“Archivo Pittoresco” voltou a ser a
proposta para uma noite muito especial no Auditório de Espinho.
Sozinha em palco, a viola por companhia, Lula Pena explorou uma vez mais o seu magnífico repertório de forma totalmente livre e aberta,
fazendo deste um concerto com particularidades diversas daquelas que
se puderam escutar em Guimarães (e, certamente, em muitos outros
lugares por onde “Archivo Pittoresco” já passou). Encadeando um
conjunto de dez canções como se fossem uma só, ligando fragmentos
e estabelecendo confluências, Lula Pena voltou a sublinhar a sua ideia de um mundo
com mais pontes e menos fronteiras. Um mundo de criação e liberdade, feito de intensas melodias, timbres harmoniosos e ritmos
apaixonantes, num todo sugestivo e inspirador.
Ao longo de uma hora, Lula Pena cantou
e encantou, a sua viola simultaneamente instrumento de cordas e de
percussão a desenhar pontes, sempre pontes, o público em suspenso,
rendido à força da música e das palavras - “Rose eu peço a Deus
que os dias seus / Sejam vividos pra jamais eu lhe encontrar nesta
tristeza / Incontida, tão esquecida de viver...”. Natural,
verdadeira, sedutora e livre, Lula Pena ainda teve tempo de, findo o
concerto, regressar ao palco, assim agradecendo o longo aplauso que o
público fez questão de lhe tributar. E de novo essa fusão de
géneros, o fado e a “canção gitana” como nunca os tínhamos
visto, tão fortemente abraçados em torno dum idioma sonoro tornado
único graças ao génio da cantora. Noite sublime, noite de magia, de
felicidade e júbilo, a fruição e o prazer a tomarem conta de nós,
a subirem devagarinho, em passos lentos, a dissiparem a nossa cruz do
desalento, a porem-nos na boca e na alma um sincero e sentido obrigado.
[Foto: Auditório de Espinho –
Academia / facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
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