LIVRO: “A Noite Passada”,
de Alice Brito
Ed. Editorial Planeta, Dezembro de
2018
Os que viveram o 25 de Abril, que
sentiram o momento com a emoção de quem sabia que uma nova aurora
se abria, fulgurante, sobre a longa e terrível noite do fascismo,
que assistiram pelas rádios, pelos jornais, pela televisão, à queda
do regime e vieram para a rua, em euforia, gritar vivas à liberdade
e à democracia, não podem deixar de se emocionar com “A Noite
Passada”. E mesmo não sendo eles os principais destinatários de
um livro que se afoita em preservar as memórias, denunciando o medo
e a raiva contida dos explorados e oprimidos contra a precariedade, a
injustiça e as perseguições, é neles que o livro encontra eco,
testemunhas vivas que são da exaltação e do júbilo de um tempo
glorioso e belo.
Navegando no espaço temporal entre o
final da II Guerra Mundial e o 25 de Abril de 1974, “A Noite
Passada” recupera os episódios mais marcantes de um quarto de
século da história recente do País. Centrando a acção em
Setúbal, Alice Brito recorda-nos o viver e o sentir das gentes em
torno da campanha para a Presidência do General Humberto Delgado ou
da visita da Rainha de Inglaterra, do assalto ao Santa Maria ou da
Guerra do Ultramar, traçando um retrato social extraordinariamente
vivo, tornado mais rico pela descrição realista dum quotidiano
remediado, de “deus pátria família” feito, a mesa posta para o
homem que chega do trabalho, a mulher submissa que tudo cala, as
conversas à boca pequena, a PIDE à espreita.
Narrado como se de uma conversa em
família se tratasse (que não a do Marcelo, senhores, que não a do
Marcelo!), em volta de uma mesa onde o choco frito é rei, “A Noite
Passada” é um desfiar de memórias emotivas, a crítica
contundente ao virar de cada página, o toque de humor inteligente
servido em doses generosas, porque melhor é rir do que chorar. Com
frequência percebemos o quanto Alice Brito se envolve na escrita do
livro, os comentários de cariz pessoal a integrarem-se na acção
com toda a naturalidade e a arrancarem ao leitor gargalhadas cúmplices. Nestes tempos em que a memória é tão
desprezada, aqui está um livro com memórias que sabe bem saborear.
Uma e outra vez!
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