CONCERTO: “Espiritual”,
de Pedro Abrunhosa
Cine-Teatro de Estarreja
23 Fev 2019 | sab | 21:30
“Vamos nascer de novo,
Sem amarras nem porto,
Sem as garras do estorvo,
Vamos levantar voo (…)”
Foi com estas palavras que Pedro
Abrunhosa abriu o concerto em Estarreja para apresentar “Espiritual”,
o seu mais recente trabalho em disco. O desafio ao público que
esgotou a sala em dois dias consecutivos foi lançado com uma
energia transbordante, assente na qualidade absolutamente ímpar do “Comité Caviar”, na força e sentido dos poemas, na harmonia e ritmo das músicas e na constante interacção
com o público. O resultado saldou-se em vinte temas interpretados ao
longo de mais de duas horas e meia, com uma mão cheia de momentos
emocionalmente muito fortes e que tornaram inesquecível a passagem
do cantor pelo palco do CTE.
Velado, intimista, quase circunspecto,
o Pedro Abrunhosa dos primeiros temas colou-se à onda “espiritual”
de um trabalho que vem colmatar mais de cinco anos de “abstinência”, as
quatro primeiras músicas a evidenciarem o cuidado extremo posto nas
letras, o poder da mensagem de cada uma delas a penetrar bem fundo no
coração dos presentes. “Vamos Levantar Voo”, “Amor em Tempo
de Muros”, “Pode Acontecer” e “Ainda Há Tempo” são
paisagens sonoras leves como uma brisa, doces como uma carícia,
profundas como um beijo, onde apetece pousar os olhos contemplativos e sonhar.
A partir daqui, Abrunhosa só
regressaria a “Espiritual” em duas ocasiões (uma das quais já
no “encore”), optando por uma viagem pelos temas mais conhecidos
dos seus álbuns anteriores, de “Contramão” a “Longe”, de
“Tempo” a “Luz”, de “Viagens” a “Momento”. Com “Não
Posso Mais”, a genialidade de Abrunhosa como compositor vem ao de
cima com toda a sua força, os solos instrumentais a fazerem-se ouvir
pela primeira vez. “Rei do Bairro” faz Estarreja “tirar o rabo
da cadeira”, a sala inteira a dançar em absoluta apoteose. “É O Diabo” traz, com ironia, a actualidade política para primeiro plano. “Não
Desistas De Mim” mostra o cantor e compositor como um excepcional
teclista. E “Vem Ter Comigo Aos Aliados” é a prova de que os Aliados são onde um homem quiser.
Todo ele emoção e energia, o concerto teve, contudo, três momentos particulares, o
primeiro dos quais surgiria já na segunda metade com o
conhecidíssimo “É Preciso Ter Calma”, Abrunhosa a introduzir a
música com a declamação do poema sobre o qual assenta - “memória,
vitória, não é esta a tua história / voou a tua vida, perdida /
por entre os braços da SIDA / mentira, roubada, pesada / uma seringa
trocada, um prazer, que agora é nada” -, as palavras como punhos
fechados a golpear consciências antes dos acordes jazzísticos de
Gileno Santana encherem o ar num solo interminável e imensamente
belo. Quase de seguida, os restantes momentos altos, o cantor a
partilhar o piano com Eurico Amorim e a interpretar “Ilumina-me”
como uma oração e ainda a estender a onda de espiritualidade ao
imortal “Hallelujah”, de Leonard Cohen, “colando-lhe” a
letra do tema “A.M.O.R.” - “o meu Deus não usa balas nem se explode
na multidão / que o teu Deus não use ferros nem se esconde na Santa
Inquisição / porque cada um tem um Deus na sua mão / e o nosso
chama-se / A.M.O.R.”. Aleluia!
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