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CERTAME: “Festival Literário
Correntes D'Escritas 2019”
Cine-Teatro Garrett, Póvoa de
Varzim
Galerias Euracini 2 e outros locais
16 Fev > 26 Fev 2019
Nesta que foi a minha estreia nas
“Correntes D'Escritas”, festival literário que cumpriu este ano
a sua vigésima edição, é com entusiasmo que falarei nesta breve
crónica daquilo a que me foi dado assistir e que tão fortemente me
marcou. Falarei, desde logo, das quatro mesas às quais assisti, onde pontuaram alguns nomes que
eu muito respeito e de quem muito tenho lido, mas também outros que se revelaram magníficas descobertas. Ainda dos lançamentos de livros, do cruzamento com escritores e de um dedo de
conversa que os intervalos sempre proporcionam, dos livros nos quais
vamos colhendo uma dedicatória e um autógrafo. Também de duas
magníficas exposições de fotografia, da autoria de Ana Carvalho e
de Alfredo Cunha, das quais falarei separadamente. Mas, sobretudo, do
público, essa mole imensa de gente que esperou ordeiramente largo
tempo nas filas para depois esgotar sessões atrás de sessões, que
são a prova do sucesso desta iniciativa e a cuja voz uno a minha
neste canto de parabéns às “Correntes”, aos seus mentores e
àqueles que tornam possível que tudo isto aconteça. Porque duma
grande festa da palavra se trata e porque é uma festa realmente
muito bonita.
No ano em que se comemora o centenário
do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen, as “Correntes”
quiseram dedicar-lhe toda a atenção, buscando na sua obra – e em
particular na obra poética – os temas das mesas redondas. “Não
se perdeu nenhuma coisa em mim”, do poema “O Jardim e a Casa”
deu o mote para uma mesa “amputada” de dois enormes nomes – o
chileno Luís Sepulveda e João Pinto Coelho – e onde se falou de
memória e de combate. De memória, porque é perdendo-a que perdemos
aquilo que adquirimos ao longo duma vida – “olho para a minha
biblioteca, para todos aqueles livros, e penso o que fazer para
recordá-los... porque os esqueci” (David Toscana). De combate,
para dizer que “o combate do escritor deve ser contra a
auto-censura, para que não se perca nada em nós” (Filipe Homem
Fonseca).
A mesa seguinte foi buscar ao poema
“Apesar das Ruínas”, o verso “E nunca as minhas mãos ficam
vazias”. Foi uma mesa riquíssima de intervenções e pensamentos,
com Hélia Correia a colocar, legitimamente, uma certa nota de
desconforto ao recusar-se a “trazer Sophia para o comum”,
afirmando que “Sophia não se glosa, Sophia não é para ser
objecto de perífrases”. Sandro William Junqueira trouxe-nos histórias amargas em torno da frota branca e das campanhas do bacalhau, Joel Neto pisou caminhos da antropologia
ao dizer-nos que foi pela palavra que o Homo sapiens prevaleceu sobre
as restantes espécies e Manuel Rui ofereceu-nos um longo poema, ele,
as pombas e as bolinhas de miolo de pão no epicentro dum triângulo
formado pela casa de Sophia, pelo Aljube e pela Sé de Lisboa. Finalmente,
Miguel Sousa Tavares – sobre quem recai a enorme “responsabilidade”
de ser filho de Sophia de Mello Breyner – a dizer-nos que “as
mãos que nunca ficam vazias são as mãos que escrevem contra a
miséria do mundo!”.
O último dia das “Correntes” não
poderia ter começado da melhor forma, com “Pois é preciso saber
que a palavra é sagrada”, do poema “Com Fúria e Raiva”, a
servir de ideia ao pensamento de seis ilustres escritores. Da
Argentina, Natalia Porta Lopez veio “pedir desculpa” a Sophia, dizendo-lhe não acreditar que a palavra seja sagrada, nisso
corroborada por José Milhazes, para quem só a palavra de honra é sagrada: “Se a palavra fosse
sagrada, as gentes da Póvoa pecavam a cada dois segundos”.
Milhazes que mexeu com algum público – às tantas, ouviu-se na
sala um sonoro “abaixo a reacção”, ao manifestar a sua repulsa
perante a palavra utopia e ao afirmar que “as revoluções são
feitas por líricos e idiotas úteis”. Ana Cristina Silva diria que
“as palavras são sagradas quando iluminam, quando lançam na noite
o seu breve lampejo” e António Tavares confessaria desconhecer se
as palavras são sagradas, “mas são seguramente tramadas,
sobretudo para quem, como o escritor, tem de viver delas”. Alice
Brito teve uma intervenção emocionada (e emocionante), para nos
dizer que “é preciso saber que a palavra é sagrada”, acusando
“as redes ditas sociais de propalarem o nada” e afirmando que “um
jantar em frente à televisão é a síntese perfeita do pão e
circo”. A última intervenção foi de Afonso Reis Cabral que nos
mostrou que “as palavras são sagradas porque extraem o que há
de melhor em nós, nos tornam humanos”.
Muito mais leve que as anteriores, a
última mesa a que tive o privilégio de assistir submeteu-se a “Este
é o tempo em que os homens renunciam”, do poema “Este Tempo”.
Nela, Afonso Cruz falou (e mostrou imagens) da Rua Mutanabi, em
Bagdad, que se soube reerguer depois do sangrento atentado bombista de 05 de Março de 2012, lembrando-nos que “ainda que os tempos
sejam obscuros, há sempre homens que não renunciam”. Pedro Vieira
teve também a “muleta” do multimédia na sua intervenção, mas
começou por avisar que não lê poesia: “Leio de tudo, leio os
rótulos do Piripiri Sacana, mas poesia não”. Ondjaki teve uma
hilariante saída ao “descobrir” um livro de Aurelino Costa no
meio dos milhões de livros espalhados pelos passeios da Rua Mutanabi,
facto que se devia ao “poderoso” Luís
Diamantino. Apesar da confessada incapacidade em manter uma linha de pensamento,
Rui Zink falou de professores universitários e de pepinos-do-mar,
disse-nos que “o Alzheimer é uma bela metáfora para o século
XXI” e lembrou que uma palavra traz sempre o seu contrário:
“Quando nasceu a palavra, nasceu o silêncio”. E assim me
calo... até para o ano!
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