EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O
Relógio da Alma”,
de Ana Carvalho
Galerias Euracini 2, Póvoa de
Varzim
16 Fev > 27 Fev 2019
Quando, há três anos, escolhia uma
fotografia para a capa da nova edição holandesa do “Livro do
Desassossego”, Ana Carvalho voltou a impressionar-se com as frases
extraordinárias que Fernando Pessoa coloca na boca de Bernardo
Soares. “Não só por causa das imagens sugeridas”, diz a
artista, “mas também pelas frases sucintas que se prestavam a uma
relação visual”. E assim nasceu “O Relógio da Alma”,
conjunto de belíssimas imagens que fazem a simbiose entre algumas
citações desta obra fundamental da literatura portuguesa e as
imagens captadas em locais diversos. Fonte de diálogo entre a imagem
e a palavra, o projecto de Ana Carvalho prolongou-se por quase dois
anos, uma pequenina parte podendo agora ser saboreada na Póvoa de
Varzim, muito justamente englobada nessas impactantes “Correntes
D’Escritas”.
Mas o que é, afinal, “O Relógio da
Alma”? São cerca de quinze imagens que nos mostram como o tempo
passado está sempre presente. São ilustrações que reflectem os
efeitos da passagem do tempo e afirmam o carácter efémero da
matéria, que lhe cavam rugas e lhe emprestam sabores fugazes a vento
e a mar. Seja no que resta de um cartaz afixado numa parede ou nos
reflexos da água no casco de um navio, na tinta descascada duma
parede ou no granizo que se abriga na folha de um portão, é no
pormenor que o olhar sensível de Ana Carvalho recai, encontrando
préstimo no imprestável, grandeza no insignificante, essência no
fútil, génio no nulo. E que nos diz, como Virgílio Ferreira, que
“o tempo que passa não passa depressa, o que passa depressa é o
tempo que passou”.
Perante as imagens de Ana Carvalho, o
olhar do espectador é necessariamente contemplativo. Nas cores que
se alteram ou nas texturas que se transmutam, há todo um “deve”
e um “haver” a convocar memórias, mas é na poética de cada
composição que o pensamento se perde. Se olharmos com atenção,
“no desalinho triste das nossas emoções confusas” encontraremos a ilusão e a vacuidade, rosas falsas
e um grande pedregulho, carros eléctricos que rosnam e tardes que
caem, monótonas e sem chuva. E então descobriremos que entre nós e a vida há um vidro ténue. Para nosso desassossego!
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