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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

LIVRO: "A Nossa Alegria Chegou"



LIVRO: “A Nossa Alegria Chegou”,
de Alexandra Lucas Coelho
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Setembro de 2018


Até chegarem a Alendabar, a mulher e o rapaz tiveram de atravessar muitos fusos horários. Vencida a última etapa do seu roteiro, um trilho de terra batida em muito mau estado - “os buracos cheios de chuva, espelhos do céu” -, estacionaram o carocha à sombra de uma árvore. Têm à sua frente uma baía majestosa de águas transparentes, pequenas ilhas debruadas por corais, árvores exuberantes que dão frutos carnudos e doces e uma praia imensa, bordejada por uma densa cortina de árvores em flor. Num extremo da praia, a falésia negra, encostada a um vulcão. No outro, a foz de um rio incandescente. O dia rompe quando pisam a areia. Trazem com eles uma missão. Desconhecem que, não muito longe dali, naquela mesma praia, três jovens celebram um pacto, decididos, também eles, a cumprir uma missão. É dia do equinócio de Primavera e as doze horas que se seguem irão ter um profundo impacto na vida de todos.

A calma e a harmonia com que Alexandra Lucas Coelho nos saúda logo no início deste seu romance, vão dar lugar, muito rapidamente, à dor e à raiva. Foram colocadas ali para acentuarem a lenta agonia de uma natureza envenenada pelo plástico, acusarem a calamidade que são as grandes explorações de gado que ganham terreno de pastagem à custa da floresta, denunciarem o poder de uns poucos que oprimem, tiranizam e maltratam mil vezes os muitos a eles subjugados. Do respeito pelos valores ancestrais e pelos princípios de vida em comunhão com a natureza, passamos rapidamente para a ditadura dos mercados, para os números distorcidos a imporem a sua lei, para o lucro a qualquer preço, para a soberba e a opulência dos ricos, contrastando com a miséria e a falta de meios dos pobres. Lembrando que os recursos do planeta não são inesgotáveis, a autora aponta o dedo aos tiranos e aos corruptos, responsáveis pela ineficiência das políticas ambientais e pela falta de sustentabilidade de uma Terra a saque.

Com uma escrita construída na base da simplicidade e da poesia – as histórias de “Orlando e o Rinoceronte”, o anterior livro da escritora, a bailarem na minha cabeça o tempo todo -, “A Nossa Alegria Chegou” oferece-nos uma visão do mundo extremamente complexa e actual. É um livro com uma carga ideológica e política fortíssimas, um libelo contra a arbitrariedade, a repressão e o abuso, um grito de alerta para um planeta em rápida asfixia. É, ao mesmo tempo, um convite à contemplação e ao deleite do que de bom ainda nos resta e um incitamento à luta pela rápida inversão dos acontecimentos, preservando o que de bom nos resta e devolvendo a saúde a um planeta moribundo. No seu jeito adorável de contar uma história, Alexandra Lucas Coelho diz-nos que tal ainda é possível. Está nas nossas mãos fazê-lo!

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