CONCERTO: Beatriz Nunes
Misty Fest 2018
Auditório de Espinho – Academia
10 Nov 2018 | sab | 21:30
Há momentos assim, em que tudo parece
conjugar-se no sentido da perfeição. Primeiro, uns acordes
dispersos que ensaiam uma melodia sussurrada e logo a seguir uma voz
muito límpida, cheia de doçura, que nos fala do vai e vem das
andorinhas a marcarem o ritmo das estações. Como que
por magia, à nossa frente abrem-se, de súbito, memórias duma
infância feliz, as brincadeiras naqueles dias que pareciam não mais
ter fim, banhos no rio, corridas de bicicleta, campeonatos de
caricas, tudo envolto numa morna brisa, debaixo dum céu muito azul, repleto de andorinhas. E assim, escutando “Andorinhas”,
permanecemos como que suspensos numa outra dimensão, tal como se
nesse instante todo o universo convergisse naquela sala, concentrado
na pureza da voz de Beatriz Nunes.
De encantamento se fez o concerto que a
cantora ofereceu ao (pouco) público de Espinho, no âmbito do Misty
Fest 2018. Do primeiro ao último acorde, a ilusão de caminhar num
sonho vívido não se dissipou. Como o mais belo dos livros, que nos
surpreende e extasia a cada página volvida, o concerto prosseguiu
numa toada crescente de cumplicidade e deslumbramento, primeiro com
“Ouroboros”, notável composição em contexto jazz e a prova
provada de que a voz é o maior de todos os instrumentos, e depois
com “Aurora Tem Um Menino”, com arranjos de Jorge Moniz, numa
delicada interpretação que imortaliza esta composição do
cancioneiro alentejano.
Seguindo um alinhamento que acompanhou,
de forma quase fiel, o seu primeiro álbum, “Canto Primeiro”, Beatriz
Nunes homenageou o “seu” Barreiro com “Sul e Sueste”,
interpretou de forma sublime a “Canção da Paciência”, do maior
de todos, Zeca Afonso, mostrou excepcionais dotes de letrista com os
lindíssimos poemas que são “Rio Sem Margem”, “Resistência”
e “Pedras”, terminando com “Senhora do Ó”, a partir de um
poema maravilhoso de Margarida Vale de Gato. Importa dizer ainda que o
reconhecimento por momentos tão especiais é devido, em apreciável medida, aos músicos
que acompanharam a cantora em palco, do já referido Jorge Moniz na bateria, ao contrabaixista João Custódio e a esse pianista fabuloso
que dá pelo nome de Luis Barrigas. A eles muito fica a dever a enorme
amplitude e refinamento de sonoridades que, embora abrigadas sobretudo no
aconchegante manto do jazz, não descuraram um distinto toque
clássico, em sintonia com a formação da cantora. Em breves
palavras, é este o retrato vivido e sentido duma inesquecível noite
em Espinho. Ficam as memórias e fica, ainda, este “Canto
Primeiro”, uma das mais extraordinárias propostas discográficas
de 2018. Garantidamente!
[Foto: Auditório de Espinho - Academia / facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
[Foto: Auditório de Espinho - Academia / facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
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