CONCERTO: Ricardo Ribeiro
Museu da Chapelaria, S. João da
Madeira
29 Set 2018 | sab | 15:00
Vamos lá pôr os pontos nos ii: Se
Carminho é hoje, no meu sentir, a melhor voz feminina do fado, o seu
contraponto directo – para não dizer “a sua alma gémea” - dá pelo nome de Ricardo Ribeiro. É única a intensidade com que o fado
se desprende das suas vozes, uma intensidade que não tem apenas a ver
com o domínio vocal e com a técnica intrínseca à arte do canto,
mas que é interior, que se desentranha e se revela em toda a sua
pureza, que confere uma dimensão emocional única à experiência de
escutar este género tão nosso, o corpo todo num arrepio, um nó
permanente na garganta, a alma a transbordar de prazer e felicidade.
Isto mesmo foi possível comprovar, uma
vez mais, no concerto que o fadista deu na tarde de hoje, no Museu da
Chapelaria, em S. João da Madeira, uma iniciativa da Área
Metropolitana do Porto designada “Sons no Património”.
Acompanhado por Bernardo Romão na guitarra portuguesa, Bernardo
Saldanha na viola e Paulo Ramos no baixo, o fadista teve uma entrada
triunfal com “Destino Marcado” (tema de abertura do seu álbum
“Largo da Memória”, de 2013), música e letra de Fernando
Farinha, um dos mais belos exemplares do fado menor. E se o fado
menor é o “pai” do próprio fado, Ricardo Ribeiro quis vincar
que o fado corrido se assume como a “mãe”, ao interpretar “Olhos Estranhos”, letra e música de Domingos Gonçalves da Costa e que
podemos encontrar no álbum gravado “ao vivo” com Ana Quintans e
intitulado “From Baroque to Fado: A Journey Through Portuguese
Music”, de 2017.
O concerto vai animado e o fadista
colhe dois temas de “Hoje é Assim,
Amanhã não Sei” (2016), o seu mais recente álbum, primeiro com “Nos Dias de Hoje”,
letra e música de Tozé Brito e depois com “Estrada da Vida”, letra e música
de João Dias Nobre. “Porta do Coração”, álbum editado em
2010, não ficou esquecido e “Moreninha da Travessa”, com letra e
música de Jorge Morais Rosa foi um momento de boa disposição, o
poema a brincar com as palavras, as palavras a brincarem com o público. Do mesmo álbum escutou-se “Barro
Divino”, com letra e música de Álvaro Duarte Simões, um tema que
o cantor reconhece “dizer-lhe muito”. Alternando temas dos seus
dois álbuns mais recentes, o fadista interpretou então “Entrega”,
um poema de Pedro Homem de Mello musicado por Carlos Gonçalves,
“Soneto de Mal Amar”, com letra de José Carlos Ary dos Santos e
música de João Paulo Esteves da Silva, “De Loucura em Loucura
(Fado Cravo)” letra de Fernando Teles e música de Alfredo Duarte
(que o fadista foi buscar ao repertório de Alfredo Marceneiro) e um
alegre “Fadinho Alentejano”, letra e música de Paulo de
Carvalho, que pôs os presentes a cantar “muda a água às
azeitonas / rega bem os teus tomates / tem lá cuidado com a horta /
o cravo já está no vaso / sim senhora, por acaso”.
“Verbo amar”, lindíssimo poema de
Frederico de Brito, com música de Franklim Godinho, surgiu já na
parte final do concerto, seguido de “Passeio Fadista”, com letra
de Alberto Rodrigues e música de José António Sabrosa, do “Fado
Pechincha”, tudo terminando no regresso ao álbum “Porta do
Coração” com “Fama de Alfama (Bairro Afamado)”, Francisco
Radamanto a dar o mote, a glosa de Conde Sobral para uma música de
José Lopes, do “Fado Lopes”. Dizer do prazer sentido em cada
momento deste concerto seria repetir-me. Talvez referir apenas que
este foi daqueles momentos que marcam, de forma indelével, a
agenda cultural de S. João da Madeira em 2018, um verdadeiro brinde aos
(poucos) privilegiados que a ele tiveram o privilégio de assistir.
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