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domingo, 30 de setembro de 2018

TERTÚLIA: "Porto de Encontro", com Luis Filipe Castro Mendes



TERTÚLIA: “Porto de Encontro”,
com Luis Filipe Castro Mendes
Auditório da Biblioteca Municipal de Almeida Garrett, Porto
23 Set 2018 | dom | 16:00


“Cada poema é um encontro, uma experiência de vida... uma pessoa, um lugar, a própria poesia.” A afirmação é de Luis Filipe Castro Mendes, convidado da sessão inaugural da oitava temporada do Porto de Encontro, ciclo de conversas com escritores promovido pela Porto Editora, desta feita integrado no programa do dia de encerramento da Feira do Livro do Porto. Moderada pelo jornalista Sérgio Almeida, a iniciativa teve ainda a participação do escritor Mário Cláudio e dirigiu-se a uma vasta plateia ávida de conhecer um pouco melhor o poeta e o homem.

Actual Ministro da Cultura, cargo que exerce desde o dia 14 de Abril de 2016, Luis Filipe Castro Mendes tem toda uma vida feita de encontros e desencontros: “Até à altura de ir para a Universidade, a vida foi de mudança permanente graças à profissão do meu pai, magistrado. Depois a vida diplomática, ao longo de 41 anos, prolongou e aprofundou essa mudança constante”, conta. Nesta vida errante, o tempo de penetrar num mundo imaginário e distinto só podia acontecer através dos livros. “Sempre li muito, a minha mãe lia-me muita poesia. Comecei a escrever muito novo, aos 15 anos já publicava no suplemento juvenil do Diário de Lisboa e no suplemento literário do diário República”, recorda. O seu primeiro livro, “Recados”, data de 1983 e, desde então, a sua obra literária tem vindo a vincular-se cada vez mais na tradição lírica portuguesa, a sua escrita feita de memórias, revelando uma aguda noção do destino humano e questionando os rumos da sociedade contemporânea.

Há grandes hiatos entre as edições dos seus livros. Entre 2001 e 2011 a vida diplomática concentrou muitas das suas atenções e praticamente não publicou. “É um interregno longo na minha poesia. Sou um poeta muito bissexto”, refere a propósito, mas adverte que não publicar não significa estar menos atento: “A poesia é uma resposta à vida e eu respondo à vida com poemas”. É então convidado por Sérgio Almeida a fazer a leitura de alguns dos seus poemas, começando precisamente por “História Pessoal”, do livro “A Ilha dos Mortos” (1991) - “Entre a morte e a música, / abandonámos finalmente as nossas mãos sobre as águas. / A persistência dos rios serviu-nos de guia / e o silêncio escondeu-nos de olhares atravessados pelo frio / de uma só palavra. (...)”

Escrever exige distanciamento, disponibilidade interior e nem sempre é fácil encontrar as melhores condições para o fazer. “No Conselho de Embaixadores do Conselho da Europa escrevi bastante. Agora no Conselho de Ministros, não. Não há essa disponibilidade”, confessa Luis Filipe Castro Mendes, acrescentando que “no momento em que voltar a tê-la, voltarei a escrever, tenho a certeza.” Recordando a sua longa vida de diplomata - que o levou a desempenhar funções em Luanda, Madrid, Paris, Budapeste, Nova Deli, Rio de Janeiro ou Estrasburgo -, refere que “há uma coisa comum entre o diplomata e o poeta que é a palavra. Tem de ser justa e verdadeira. O rigor da palavra, a preocupação da palavra justa, é comum a ambos. Mas isto não leva o diplomata a ser poeta nem o poeta a ser diplomata”. A vocação de diplomata espelha-se na sua poesia e Luis Filipe Castro Mendes recorre ao livro “Lendas da Índia” (2011) para ilustrar o segundo momento de poesia, recitando “A Terceira Monção” - “Podes pensar que estás cansado / que a terceira monção já passou por ti, / que o ar ficou pesado de humidade e o teu coração / indiferente. / Mas o que te rodeia é tão diverso e inesperado / e é ao mesmo tempo tão evidente / que vives no meio de gente como tu / (não mais nem menos religiosos, / não mais nem menos gananciosos), / que a curiosidade te leva a imaginar novos horizontes / e de novo sais para o calor da monção à procura do que não sabes...”.

Tempo agora de se falar do Porto e da ligação do poeta à cidade, com duas revelações curiosas: “O meu primeiro livro, “Recados”, foi publicado no Porto e essa é a minha primeira ligação à cidade. Depois, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, do José Viale Moutinho, atribuiu-me um prémio pelo meu livro “Seis Elegias”, o primeiro galardão da minha carreira”, refere, embora vá confessando que a relação com o Porto “não é muito próxima”. Novo momento de poesia, agora a incidir sobre o seu mais recente livro, “Outro Ulisses Regressa a Casa” (2016) - “(...) Cidades como casas desfeitas, / caixotes abertos no chão, gavetas por esvaziar, / livros que sempre sobram. / É fácil resumir uma vida. / O que dela ficará, não sabemos. Mais certamente / nada”.

Sérgio Almeida convida para o palco o escritor Mário Cláudio e, após a inicial conversa a recair sobre a amizade que une ambos os convidados, discorre-se sobre um tema que lhes é muito querido, o barroco nas sua mais diversas formas, “o enamoramento pelos frutos da terra mas também uma consciência muito viva de finitude, de morte”, salienta Mário Cláudio. Reforça esta ideia ilustrando-a com uma pintura de Artemisia Gentileschi, “Judite e Holofernes”, uma fotografia do labirinto de buxo dos Jardins da Casa da Prelada e ainda um excerto da obra “Les Sauvages”, Concerto comique nº 25, de Michel Corrette. Perante a espiritualidade que se desprende dos exemplos mostrados, Luis Filipe Castro Mendes confessa ser agnóstico, mas “simpatizo com Espinosa quando diz que Deus é a natureza”. A conversa estende-se ao longo destas “manifestações de alegria sobre as tristezas do mundo” e desvia-se para a poesia: “Ao escrever um poema sente-se um júbilo, uma alegria, por mais triste que o poema possa ser. Caminhamos radiosos sobre a nossa miséria, como diz Hoelderlin. É que sem alegria nada se constrói. Toda a criação é um momento de alegria, de júbilo, de afirmação do mundo”, diz Castro Mendes.

O Porto de Encontro chega ao fim e o saldo é, uma vez mais, extraordinariamente positivo. A forma como Luis Filipe Castro Mendes se deu a conhecer revela a sua elevação e erudição, um conhecimento profundo do mundo que o rodeia e um enorme amor à vida e à palavra. É no domínio do espiritual que o último momento de poesia se enquadra, o poeta a declamar “Nossa Senhora de Rocamadour”, do livro “A Misericórdia dos Mercados” (2014) - “Senhora do lado escuro do tempo, / Virgem Negra da grande Dor, / um anjo não estará ao teu lado quando nos vires chegar, nenhuma gota de água nos virá benzer / e a música continuará calada à beira do teu rosto / que não sorri. / Nós peregrinos para ti caminhamos / e assim será sobre todas as coisas / e todos os tempos”.

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