CONCERTO: Surma
Parque João de Deus, Espinho
Festival Oito24
18 Ago 2018 | sab | 17:00
Um piparote vigoroso numa caixa de
ritmos e logo um som se abre, como uma onda, juntando-se ao restolhar das
folhas das árvores batidas pela nortada fresca do final de tarde em
Espinho. Espalhados sobre a relva, os espectadores aguardam, atentos,
os desenvolvimentos daquele som ao qual se vão somando,
sucessivamente, outros sons que emanam dos sintetizadores, da
guitarra, do baixo, duns pequenos sinos coloridos ou da própria voz
da artista. De súbito, sem sequer darmos por isso, embarcámos já
numa viagem de cores e sons únicos, ao encontro de paisagens
interiores feitas de lagos gelados ou de areias quentes que se
esfumam no alto de dunas de vento batidas, de florestas sombrias
povoadas por seres misteriosos ou de campos de flores coloridas e
vivas que se abrem em alegres Primaveras. E pensamos que isto não
está a acontecer!...
Falo de Débora Umbelino e do seu
projecto, Surma, nome de ponta do panorama da nova música portuguesa
e que ontem se apresentou em Espinho, no derradeiro dia da edição
de 2018 do Festival Oito24. Uma apresentação que constituiu, na
verdade, uma deliciosa surpresa, de tal maneira aquele corpo franzino e
aquela voz de desenho animado impressionam pela harmonia e talento
das suas composições. Mas para além da música – forte, densa,
penetrante -, é impossível não nos deixarmos levar pela presença
física da cantora, pela sua doçura num sorriso que se abre franco,
pelo seu “malta, obrigada”, por um coração que se adivinha
enorme e pela inocência contida onde cabe a materialização de
muitos sonhos acumulados desde que, com cinco anos de idade, desejou
ser baterista.
Seguindo um alinhamento que privilegiou
o seu disco de estreia - “Antwerpen”, lançado a 13 de Outubro de
2017, considerado um dos melhores do ano pela grande maioria dos
meios de comunicação social nacionais e nomeado para melhor disco
europeu independente do ano -, a “one-woman-band” juntou ao pulsar delirante
de “Hemma”, “Kisnet”, “Voyager” ou “Nyika”, a força
de composições mais antigas, casos de “Wanna Be Basquiat”,
“Lo-Fi” ou do iniciático “Maasai”. Temas que fazem recuar, desde logo, aos anos 70 e 80 e a referenciais
incontornáveis como os Doors, Jimi Hendrix Experience, Jefferson
Airplane ou aos inefáveis Pink Floyd, para depois nos mergulharem em
sonoridades mais actuais, muito nórdicas, os islandeses Amiina à
cabeça – curiosamente escutados também em Espinho, há seis meses
atrás -, ainda Heilung Krigsgaldr ou Björk a espreitarem por detrás
da cortina.
Duma rapariga que se afirma pessimista,
que nunca pensou sair da cave da sua casa de aldeia perto de Leiria e
muito menos tocar onde já tocou, o menos que se pode dizer é que um
projecto como “Surma” é obra. Nesta viagem agora iniciada, é
difícil prever o quando e o onde do ponto de chegada, tal o
potencial desta música, tal a energia, vontade e entrega de Débora
Umbelino à sua “causa”. Entretanto, aproveitem-se os portos de
escala. Espinho foi um desses portos, da visita sobrando a vontade de
saber mais, de escutar mais, de sentir mais.
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