TEATRO: “Mendoza”
Ideia original e
direcção | Juan Carrillo
Adaptação | Antonio
Zúñiga e Juan Carrillo, a partir de Macbeth de William
Shakespeare
Interpretação | Marco
Vidal, Mónica del Carmen, Erandeni Durán, Leonardo Zamudio,
Martín Becerra, Germán Villarreal, Ulises Martínez, Alfredo
Monsivais, Roam León y Yadira Pérez
Máscaras | Martín
Becerra
Produção | Los
Colochos Teatro
Teatro Nacional de S. João
20 jun 2018 | qua | 21:00
FITEI – Festival Internacional de
Teatro de Expressão Ibérica
Por um lado há “Macbeth”, a mais
enigmática tragédia shakespeareana, tendo como ponto de partida o encontro de um
obscuro chefe de clã com três bruxas que lhe comunicam três
profecias, uma das quais – a de que será coroado Rei da Escócia –
despertará nele uma terrível ambição e dará início a uma
espiral de violência, loucura e morte. Por outro lado temos a
Revolução Mexicana, com início em 20 de Novembro de 1910, que
acabou com a longa ditadura de 34 anos do general Porfírio Diáz e
gerou o levantamento de líderes revolucionários icónicos como
Francisco Madero, Emiliano Zapata ou Pancho Villa. Conjugando a
intemporalidade da obra de Shakespeare com o mais marcante
acontecimento do México no século XX, Juan Carrillo constrói
“Mendoza”, perturbadora metáfora do mundo depravado em que
vivemos, onde o bom é mau, o feio é belo e o justo, injusto.
A acção decorre no interior dum
quadrado, os adereços reduzidos a algumas mesas e cadeiras, o
público sentado em redor, misturando-se com os nove actores em
palco. Bebe-se cerveja mexicana (o público também bebe). Tudo o
mais é violência, assassinatos, remorsos, bruxarías e mortos que
sussurram vinganças. E sangue, muito sangue, neste que é um Macbeth
à mexicana, ou seja, uma peça que respeita a estrutura original da obra de Shakespeare e preserva os seus episódios principais, mas com outras
palavras e outros referentes, dando a ver a realidade do México de ontem e de hoje (a contagem dos 43 estudantes mortos no massacre de Iguala, em 26 de Setembro de 2014, é um verdadeiro murro no estômago do espectador). Também a poética do texto original é alvo da necessária adequação, cedendo uma
boa parte do seu lugar à oralidade do quotidiano - uma linguagem dura e agressiva onde cabe o palavrão, a par de rezas e ladaínhas reveladoras duma crendice que combina, em partes iguais, o sagrado e o profano.
Da sábia forma como funde o clássico
com o moderno, retira “Mendoza” a sua grande força e fascínio. É que não
se trata apenas de reinterpretar um texto maior da literatura, algo
feito pela enésima vez em teatro. É sobretudo na encenação, na forma como Juan Carrillo se apega ao detalhe, coreografa os movimentos e tira o maior partido da intensidade do brilhante texto - uma adaptação sua e de Antonio Zúñiga -, que reside a marca distintiva desta peça. E há, claro, os actores, rigorosos na forma como encarnam as personagens, convincentes na sua enorme
expressividade, comoventes na musicalidade das suas palavras, emocionantes na naturalidade com que
interagem com o público. William Shakespeare ter-se-ía sentido arrebatado e orgulhoso vendo como Los Colochos
Teatro souberam tratar tão bem o texto original, firmando a ouro uma das mais belas páginas da história do FITEI!
[Foto: diariodominho.pt]
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