CONCERTO:
“Caravanas”,
de Chico Buarque
Coliseu do Porto
02 Jun 2018 | sab
| 21:30
“Minha embaixada
chegou / Deixa meu povo passar / Meu povo pede licença / Pra na
batucada desacatar". Os versos de “Minha Embaixada Chegou”,
escritos pelo compositor baiano Assis Valente para a voz de Carmen
Miranda, fizeram-se ouvir 84 anos depois no lotadíssimo Coliseu do
Porto. Foi com esse samba altivo que o “resistente” Chico Buarque
e a sua banda abriram alas para passar com “Caravanas”, nome do último álbum de originais do
cantor, compositor e músico carioca, num muito saudado regresso aos
palcos portugueses, doze anos após a sua última actuação no nosso
País.
Num alinhamento com três dezenas de
canções, o álbum “Caravanas” esteve presente na íntegra, servindo
de inspiração e orientação a todo o espectáculo. Fica assim bem
vincada a força da música e dos poemas deste trabalho da maturidade
absoluta, onde sobressaem temas como “Blues pra Bia”,
“Massarandupió” (escrito em parceria com o seu neto Chico
Brown), “Tua Cantiga”, “Jogo de Bola”, “Moça do Sonho”
ou o lindíssimo “Dueto”, cantado em conjunto com Clara Buarque,
a neta do cantor. Trata-se duma verdadeira obra prima, música e
letras fundidas no aconchego e na felicidade de 73 anos do mais
maravilhoso que a vida pode dar, para mim o melhor dos 38 álbuns
que o cantor gravou em estúdio ao longo da sua carreira.
Entre canções de
amores intemporais ou de cariz político e social, Chico Buarque
revisitou uma obra que se vem construindo desde 1964 e da qual
repescou, entre outros, temas como “Injuriado”, “A Volta do
Malandro”, “A História de Lily Braun”, “As Vitrines”,
“Futuros Amantes” ou “Geni e o Zepelim”, remetendo para
álbuns emblemáticos como “Gota d’Água” (1977), “Almanaque”
(1981), “O Grande Circo Místico” (1983), “Malandro” (1985),
“Ópera do Malandro” (1986), “Paratodos” (1993) ou “As
Cidades” (1998). O concerto serviu igualmente para lembrar
parceiros como Edu Lobo, Jorge Helder e Antonio Carlos Jobim, de cuja
obra em conjunto o cantor reviveu “Retrato em Branco e Preto” e a
canção de exílio “Sabiá”. O malogrado compositor e baterista
carioca Wilson das Neves mereceu uma saudação especial, com Chico
Buarque a dedicar-lhe o concerto “Caravanas” e a interpretar
“Grande Hotel”, canção extraída do álbum de 1996, “Som
Sagrado de Wilson das Neves”, lançado em parceria por ambos.
Já no segundo “encore”, Chico Buarque pôs termo ao concerto da
forma mais previsível, repescando “Tanto Mar”, do álbum com o
seu nome, gravado em 1978.
“Sei que estás em festa pá…”,
cantou-se gargantas ao alto na sala, embora a realidade deste
concerto tenha ficado muito aquém da tão desejada festa. Chico Buarque, a sua
poesia e o seu intimismo, evidenciaram de forma absoluta a falta de
condições a todos os títulos duma sala como a do Coliseu do Porto.
O som esteve péssimo, as cadeiras são desconfortáveis, os lugares
mais recuados da plateia não oferecem condições de visibilidade e
não há qualquer controlo do público no interior na sala. Está-se
num concerto como quem está numa feira, as conversas constantes para
o lado, os telemóveis a dispararem ininterruptamente, a gritaria a
impor-se às melodias. Há, contudo, duas conclusões a tirar desta péssima experiência, ambas positivas. A primeira é a de que temos
em Estarreja, Albergaria a Velha, Sever do Vouga, Santa Maria da
Feira, S. João da Madeira, Ovar, Águeda ou Ílhavo salas de
excelência, tanto nas condições que oferecem ao espectador como na
qualidade das suas programações. E, depois, que não volto a gastar
um tostão com idas ao Coliseu. Nem que seja o próprio Chico a
pedir-me!
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