CONCERTO: Chrysta Bell
Centro de Arte de Ovar
13 Abr 2018 | sex | 22:00
Quando, em finais do mês passado, Kathryn Bromwich preparava para
o britânico The Guardian uma entrevista a Chrysta Bell, enviou a
David Lynch um pedido para que este se pronunciasse sobre a cantora,
actriz e modelo, sua verdadeira musa desde o primeiro momento em que
se encontraram, nos idos de 1999. A resposta não se fez esperar:
“Chrysta Bell (…) faz-me lembrar uma ave azul, com umas longas
asas e um bico brilhante”. A entrada em palco da cantora, para a
terceira de quatro apresentações em Portugal do seu novo álbum “We
Dissolve”, deve ter criado a mesma sensação no público.
Avançando na penumbra, vestido negro ajustado ao corpo, silhueta
alta e finíssima, esmagadora de sensualidade e beleza, Chrysta Bell
levou a que o público vareiro quebrasse completamente as convenções:
pela primeira vez desde que me lembro, não houve palmas, tão
agarrados aos lugares ficaram os presentes na sala à espera do que
poderia acontecer no momento seguinte. O silêncio foi esmagador, mas
posso garantir que havia naquele silêncio mais ruído do que alguma
vez houve no Auditório do Centro de Arte de Ovar.
“Silêncios” à parte, importa
dizer que não fui ao Concerto de Chrysta Bell pela própria cantora,
de quem nada conhecia. Tão pouco pelo rock, o género musical
dominante, que também não é a minha “praia”. A razão teve a
ver com David Lynch e o seu cinema. “Coração Selvagem”,
“Mullholland Drive”, “O Homem Elefante”, “Duna”, “Estrada
Perdida”, a série “Twin Peaks” ou essa eterna referência nos
filmes da minha vida, “Veludo Azul”, constituíam motivos de sobra
para não perder esta oportunidade. Os ambientes dos seus filmes e as
respectivas paisagens sonoras justificavam plenamente uma deslocação,
que no caso até era bem curta. Expectativas criadas, expectativas
confirmadas: David Lynch atravessa o concerto duma ponta à outra,
indissociável das sonoridades em palco, do álbum inicial, “This
Train” (2011), que produziu, a “We Dissolve” (2017), passando pelos EP's
“Somewhere in The Nowhere” (2016) e o recentíssimo “Chrysta
Bell”, lançado no passado mês de Março.
O resto é a própria Chrysta Bell, a
sua presença fortíssima em palco, o poder duma voz que arrepia. É
a guitarra de Jon Sanchez, é Jayson Altman na bateria e Christopher
Smart no Baixo Elétrico, um trio de suporte absolutamente
extraordinário. São as imagens que se projetam sobre um palco
permanentemente na sombra, imagens que reforçam essa ideia de
universo lynchiano. É fechar os olhos no sublime “Blue Rose” e
ver Isabella Rossellini / Dorothy Valens, vestido negro até aos pés,
costas a descoberto, o primado da sensualidade. É o assento de trás
dum carro, na noite e no pó do deserto, em “Night Ride”. É o
“flow” em “Devil Inside Me”, é o sair dos carris em “Over
You”, é “Everest” e “We Dissolve” e “Friday Night Fly”
e “Real Love”. É tudo. E é ainda David Lynch, que quando viu
Chrysta Bell cantar pela primeira vez pensou que estava perante um
ser extra-terrestre. Como o compreendo!...
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