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domingo, 15 de abril de 2018

TERTÚLIA: "Porto de Encontro", com José Rentes de Carvalho



TERTÚLIA: “Porto de Encontro”,
com José Rentes de Carvalho
Auditório da Biblioteca Almeida Garret, Porto
14 abr | sab | 17:00


José Rentes de Carvalho foi o convidado de honra da segunda sessão do “Porto de Encontro”, em Dezembro de 2011. Regressou agora, mais de seis anos depois, com a mesma vitalidade, a mesma sageza, com mais sentido de humor, até, para uma tertúlia que pretendeu comemorar o 50º aniversário da sua carreira literária. Uma carreira da qual fazem parte mais de 30 títulos onde cabem os soberbos “Com os Holandeses”, “Portugal, a Flor e a Foice”, “A Sétima Onda”, “La Coca”, “Ernestina”, “A Amante Holandesa”, “Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia”, “Mazagran”, “A Ira de Deus sobre a Europa”, “Montedor” ou “O Meças” - estes dois últimos já lidos e comentados aqui no Blogue. Uma carreira escalpelizada ao pormenor numa conversa extraordinariamente conduzida por Sérgio Almeida e que contou ainda com a participação do escritor e editor Francisco José Viegas, do actor António Durães e do público, que esgotou completamente o Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett e que não deixou de colocar algumas questões ao escritor.

“Porque é que nasci aqui?” Foi com esta questão - que José Rentes de Carvalho colocou a si próprio - que tudo começou. Natural de Vila Nova de Gaia mas a viver na Holanda há 62 anos, o escritor sente-se “extremamente português”, mas admite que há como que uma dicotomia: “Aquilo que em mim é holandês está muito separado daquilo que em mim é português”. Fala em holandês, pensa em holandês, mas sonha em português e confessa ter medo de que esta crescente influência do holandês venha a dominá-lo por completo: “Não tenho medo de ficar doente mas tenho medo de perder a minha língua”, remata.

“A boa disposição é talvez melhor do que a saúde”, são palavras de Rentes de Carvalho. E foi sob o signo da boa disposição que a conversa prosseguiu, com algumas pérolas a surgirem em resposta às questões do moderador: “A maldade tem muito interesse”, “criar uma personagem dura é descartar um pouco do veneno que há em mim”, “nasci contra e sou contra seja o que for”, “quando as coisas estão a ficar muito bonitinhas, dou-lhes uma torcidela” ou “tenho uma grande capacidade de mentir; minto a mim próprio” são exemplos que justificam a sua escrita e os temas que lhe estão subjacentes. Uma escrita na qual “a inspiração está ausente”, diz, e que é fruto de “muito trabalhinho e de uma boa dose de acaso”. “O Meças”, uma das suas obras mais recentes, parece ser um bom exemplo disso mesmo: “O livro começou na minha cabeça com a imagem dum homem sentado num muro à espera dum autocarro. Não sei como nem de onde surgiu essa imagem, tão pouco sei quem era aquele homem. Comecei a escrever sem qualquer intenção de que essa seria uma personagem maligna ou cruel. Mas à medida que o livro foi crescendo, foi caminhando num certo sentido. Não sei como. Conheço os ambientes mas não aquelas pessoas. É talvez este o mistério da criação literária. Não faço ideia!...

Falar da Holanda e falar de Portugal, fazer o contraponto entre os dois países, parece ser algo que, embora dividindo sentimentalmente o escritor, surge perfeitamente estruturado na sua mente. “Eu não saí de Portugal, eu fugi de Portugal”, diz, acentuando essa ideia de fuga e acrescentando que foi dum país, duma sociedade e das pessoas que o asfixiavam que fugiu. Ainda o dedo acusador: “Nunca compreendi como é que o meu país não quis saber de mim ou se esqueceu de mim”, refere a propósito da sua carreira literária, só agora a começar a ser conhecida e devidamente valorizada nonosso país. Mas diz não querer mal às pessoas - “é a vida como ela é...”, citando Nélson Rodrigues - e  promete continuar a escrever, um processo que se mostra pouco produtivo quando está em Portugal: “Aqui, levanto-me às 6, escrevo das 7 às 10, depois começo a preparar-me para ir ao Restaurante, como aquele Bacalhau à Narcisa, bebo um copo de vinho, sobremesa, chego a casa às 2 e meia e depois o que faço? Vou para a cama!” Esta confissão, como muitas outras, arrancou saborosas gargalhadas na plateia e confirmou um homem no vigor dos seus 88 anos, a prova provada da certeza das suas palavras: “As vicissitudes da vida ajudam a manter a jovialidade e a saúde”.

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