CONCERTO: “Nome Próprio”,
de
Ana Bacalhau
Cine-Teatro Estarreja
24 Mar 2018 | sab | 21:30
“Tenho bichos-carapinteiros. Também
são carpinteiros, claro, mas, sobretudo, carapinteiros. Quando era
miúda, ouvia os graúdos a apontar-me o excesso de energia e
inquietação e, sem perceber nada de carpintaria, convenci-me que o
que me diagnosticavam era um caso bicudo de bichos que cara-pintavam.
Foi assim que tive a ideia de pintar um sorriso na cara para ninguém
notar que algo me moía por dentro. Resultou e lá fui eu, vida fora,
sempre com os meus bichos-carapinteiros a roer-me as entranhas.” As
palavras de Ana Sofia Dias da Costa Bacalhau dizem muito de si
própria e do seu percurso, ela que começou a tocar guitarra e a
cantar com 15 anos de idade e se tornou célebre como voz do
Deolinda, um grupo inspirado pelo fado e pela música tradicional
portuguesa.
Num momento de pausa do Deolinda, Ana
Bacalhau chega até nós com o seu primeiro trabalho a solo, “Nome
Próprio”, um álbum que apetece rotular de conceptual, de tal
forma música, arte e narrativa se congregam para nos oferecerem uma
imagem lúcida e divertida da cantora. Lançado em Outubro de 2017 e
com passagem por várias salas do país, “Nome Próprio”
apresentou-se enérgico e provocador no Cine-Teatro Estarreja,
para mais um “Concerto Íntimo”. E foi de forma intimista que a
cantora fez questão de partilhar as suas inquietações e os seus
medos, as suas memórias, algumas fantasias, ainda esses mundos
imaginários onde se esconde do mundo real. É isso que perpassa em
“Só Eu” - uma expressão que a avó materna da cantora usava e
que a inspirou a escrever esta canção - ou em “Menina Rabina”,
ambas com música de Janeiro. Mas também em “Deixo-me Ir”,
escrita e composta pela própria, a falar sobre a importância que
cantar tem na sua vida.
O desejo que sempre a impeliu a
desbravar novos terrenos, a assumir riscos e a partir à descoberta,
parece ter sido assimilado por todos aqueles que com ela colaboraram
neste álbum, como o demonstram Capicua, nessa verdadeira biografia
“A Bacalhau”, mas também Nuno Figueiredo em “Vida Nova”,
Samuel Úria em “Só Querer Buscar”, Nuno Prata em “Passo a
Tratar-me por Tu”, Jorge Cruz em “Leve Como Uma Pena” ou Afonso
Cruz em “Respirar”. Mas não se pense que este trabalho aponta
apenas ao umbigo da cantora. A contrariar essa ideia estão “Ciúme”,
de Miguel Araújo, a “Dama da Noite”, de António Zambujo e João
Monge, a lindíssima “Maria Jorge”, de Márcia ou a divertido e
inteligente “Debaixo da Mosca”, de Carlos Guerreiro. E ainda uma
série de influências, de Carlos do Carmo aos Trovante, de Fausto a
António Variações, a cujo universo a cantora fez questão de “roubar” uma ou outra canção que interpretou em palco. A estima, o amor, as aparas de tristeza e alegria, soube
transformá-las Ana Bacalhau na música que foi possível escutar ao
longo do concerto, correspondendo o público de forma generosa com a
sua presença e as suas palmas. Nas palavras da artista e nos seus
gestos é evidente uma enorme felicidade por ter
conseguido aquietar os seus bichos-carapinteiros. Ainda que apenas
momentaneamente!...
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