CONCERTO: “Nação Valente”,
de Sérgio Godinho
Casa da Cultura de Ílhavo
17 Mar 2018 | sáb | 21:30
A um concerto de Sérgio Godinho
assiste-se sempre – mas sempre! - “com um brilhozinho nos olhos”.
A razão encontrar-se-á, certamente, no mais íntimo de cada um, mas
a isso não serão estranhos domingos no mundo, espadas de madeira
proferindo sentenças, jogos ao boxe, toques de bateria, partos sem
dor, primeiros dias do resto das nossas vidas, Etelvinas, Ritas em
guarda, a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Em
suma, a liberdade. E a liberdade de a cantar!
Em Ílhavo, com sala esgotada, uma vez
mais se cantou a liberdade. Espalhadas pelo palco, as letras que
compõem a palavra faziam, desde logo, a ponte entre o seu disco
anterior (“Liberdade Ao Vivo”, 2014) e este novíssimo “Nação
Valente”, lançado há pouco mais de um mês. Revisitando temas
antigos e dando a ver as canções do seu mais recente trabalho -
“Noites de Macau” foi mesmo a excepção – Sérgio Godinho
voltou a mostrar-se em grande forma, contagiando o público com a
força das palavras e a energia em palco, dele recebendo vividos e
sentidos aplausos.
“Nação Valente” é mais um
exemplo da genialidade deste escritor de canções. A sua permanente
atenção a um mundo convulsivo e em constante mutação faz com que,
cada vez mais, a cantiga seja uma arma na sua voz. “Eu não sei nem
do escuro nem da aurora / Eu que trabalho em turnos noite e dia”
diz-nos que muito pouco mudou nesta nação valente nos últimos
trinta anos (“Que força é essa”, a irmã mais velha desta
“Noite e Dia”, data já de1985). E o país é isso mesmo, agora a ressacar da troika, “(...)
assim carente, perdão pedindo para a sua gente”, ou talvez “igual no gosto / ou um gosto a contrafacção”. Com
“Baralho de cartas”, agora “é carne o que era só céu” e em
“Delicado” (com letra e música de Márcia) “quem quiser pintar
passados / vai ter muito para emendar”. Pelo meio, José
Mário Branco insinua-se em “Mariana Pais, 21 anos” - “os meus
sonhos mordem pão de trigo / E mordem pão de ló”.
Embora todo ele se revele precioso, o
novo espectáculo de Sérgio Godinho acaba por ter em “Grão da
mesma mó”, com música de David Fonseca, o momento mais forte.
Vamos já no segundo “encore” e o público vibra. A batida é
poderosa e volta a lançar as questões como sementes ao vento. “Um
curto espaço de tempo / Vais preenchê-lo com o frio / da morte
morrida / ou o calor da vida vivida?”, pergunta. Canta-se “a
linha funda, na / palma da mão / Desenha o tempo então”. No palco
e na plateia um côro de vozes acompanha o cantor. Finalmente o
último acorde, as palmas que parecem não querer acabar e depois o
“espaço em branco”. Página virada, Ílhavo ficou para trás. As
palavras, porém, continuam a agitar-se na nossa mente com a força de sempre: “Grão da mesma mó /
Grão da mesma mó / Grão da mesma mó / Grão da mesma mó / ...”
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