TEATRO: “O Grande Dia da
Batalha”,
de Máximo Gorki e Jorge Silva
Melo
Encenação | Jorge Silva
Melo
Interpretação | Inês Pereira, Ricardo Aibéo, Ruben Gomes,
André Loubet, Vânia Rodrigues, Simon Frankel, José Neves
Produção | Artistas Unidos
Teatro Nacional D. Maria II | 10
Fev 2018 | sab | 21:00
“Li a tua peça [Albergue
Nocturno]. É nova e inegavelmente boa. O segundo acto é muito bom:
é o melhor, o mais forte, e quando estava a lê-lo, especialmente o
fim, quase dancei de alegria. O tom é sombrio, opressivo: o público
não familizarizado com estas temáticas, sairá do teatro
sobressaltado (...)”. Se cito este excerto da carta que Anton
Tchekov escreveu a Gorki, seu amigo, é porque ele resume, em parte,
aquilo que senti ao ver “O Grande Dia da Batalha”, peça escrita
“a duas mãos” por Máximo Gorki e Jorge Silva Melo e em cena no
Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
Quando, em 1902, Máximo Gorki
escreveu “Albergue Nocturno”, já tinha escrito contos, novelas,
um grande romance (“Foma Gordaiev”), já era um escritor
admirado, já tinha escrito aquilo a que hoje se chama grandes
reportagens, já atravessara a Rússia, a Ucrânia, já tinha sido
sapateiro, atravessara o Volga a trabalhar nas cozinhas de um navio,
já fora expulso da universidade, já pescara no Mar Cáspio, já
estivera preso uma, duas, três vezes, conspirador, já andara pelas
estradas como os miseráveis, vagabundos, profetas e ladrões, já
conhecera os Humilhados e Ofendidos”, já lera “Os Miseráveis”,
era um deles. Daí que todo este mundo salte para o palco em “O
Grande Dia da Batalha” e, com ele, nós mesmos, obrigados a olhar
para tanta gente, a viver os destinos diversos de personagens
atiradas para ali, suspensas no tempo, algumas apenas defendendo
ideais.
Ao prolongar o gesto de Gorki, Jorge
Silva Melo injecta as nossas ruas, as nossas cidades, neste sórdido
Albergue Nocturno, ao encontro dos desgraçados atirados para o lixo
nas primeiras metrópoles e agora atirados para o lixo de Schengen e
outras globalizações. São personagens abandonas pela
industrialização, abandonadas pela pós-industrialização,
morrendo de drogas como outrora de tuberculose. São muitos, cada vez
mais. São os refugiados, os abandonados, os excluídos. São os
protagonistas da história dos tempos modernos, os mesmos que
protagonizaram a história há 115 anos atrás e antes e depois e
sempre. É Gorki amplificado, revisto e actualizado, mas sempre
Gorki. Mas é também o recuperar do “teatro com a comunidade”,
do teatro da boa consciência social, da pura transcrição das falas
das vítimas, sem mediações, nu e cru. Do bom teatro, portanto!
[Texto baseado no Programa da peça. Fotografia de Jorge Gonçalves, em
http://artistasunidosnacapital.blogspot.pt/]
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