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sábado, 29 de dezembro de 2018

VISITA GUIADA: "Dos Reis do presépio da igreja de Massarelos aos moinhos de Vilar através dos Caminhos do Romântico”


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VISITA GUIADA: "Dos Reis do presépio da igreja de Massarelos aos moinhos de Vilar através dos Caminhos do Romântico”
Orientada por | Professor Joel Cleto
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
28 Dez 2018 | sab | 21:30


Reza a história que, navegando de Londres para o Porto, o galeão S. Pedro, onde viajavam o Capitão António Espírito Santo Silva e toda a sua tripulação, foi apanhado por um violento temporal em pleno Golfo da Biscaia. Com o mastro da proa partido, todas as velas do mastro grande arrancadas e o leme destruído, andou o navio à deriva três dias e três noites, metendo água e em grande risco de se afundar. Na tentativa de perscrutar o horizonte, subiu ao mastro real o Gageiro Inácio de Sousa, aí invocando a protecção de S. Telmo, advogado dos marinheiros e logo a sua imagem lhe apareceu no topo dos mastros, com três faróis acesos. O mar acalmou-se, foi avistada terra e uma brisa benigna e favorável guiou a embarcação até ao porto de Vigo, onde desembarcou sã e salva toda a tripulação. No dia seguinte, os vinte e nove homens foram em procissão, descalços e pedindo esmola, ao túmulo de S. Pedro Gonçalves Telmo, em Tuy, onde juraram, em agradecimento, levantar uma ermida ao Santo, na sua terra. Consertado o navio, a Massarelos regressaram a 20 de Dezembro de 1394 e logo se organizaram em Confraria para dar cumprimento ao voto.

Avançando 624 anos no tempo, foi no preciso local onde se erigiu a primitiva ermida e que é hoje a Igreja de Massarelos, que cerca de uma centena de pessoas se reuniu para acompanhar o Professor Joel Cleto naquela que foi a última visita guiada de 2018 promovida pela Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos e subordinada ao tema "Dos Reis do presépio da igreja de Massarelos aos moinhos de Vilar através dos Caminhos do Romântico”. Uma visita que foi, toda ela, uma fascinante aula de história, tão ricos e vivos os detalhes em torno desta Confraria profundamente ligada ao rio e ao mar e com uma vertente social e assistencial de enorme relevo. Do primeiro Juiz-Provedor da Confraria, o Infante Dom Henrique, à terrível campanha marítima sob o domínio de Castela – dois bergantins da Confraria, integrados na armada dita invencível, incendiados e metidos a pique ao largo da costa inglesa pelo Almirante Drake – e que está na origem do topónimo “Cais dos Insurrectos”, tiveram os presentes o privilégio de seguir nos caminhos da História, guiados pelo conhecimentos e pelos dotes de comunicador exímio de Joel Cleto.

Ainda no interior do templo, oportunidade para apreciar uma das mais interessantes obras do espólio do Núcleo Museológico recém-criado, um presépio do século XVIII, da escola de Machado de Castro. Do grupo escultórico constituído por 17 figuras em material cerâmico pintado e dourado, destaque para o conjunto de Reis Magos, que nesta peça são em número de quatro e não três, como é da tradição. A descoberta do Novo Mundo está na origem desta quarta figura, um índio que se faz deslocar num lama, e que constitui uma quase novidade no capítulo dos presépios barrocos portugueses. Por entre o casario, subindo o vale de Vilar, as várias paragens permitiram evocar um espaço marcadamente rural, onde ainda pontificam alminhas e logradouros, moinhos (ou o que deles resta) e campos de cultivo. O regresso fez-se descendo a Rua de D. Pedro V, aqui se evocando o monarca e a sua esposa, a Rainha Dona Estefânia. Uma paragem ainda em frente ao actual Museu do Carro Eléctrico, lembrando a antiga central eléctrica, e o final do percurso a ter lugar nas traseiras da Igreja, sob o olhar de S. Telmo e do Infante, no magnífico painel azulejado que recobre parte da sua fachada. Foi este o coroar perfeito de mais uma grande iniciativa da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, numa noite a fechar o ano e que prenuncia um 2019 pleno de boas e gratas surpresas!

sábado, 22 de setembro de 2018

VISITA GUIADA: "O Porto de D. Pedro IV"


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VISITA GUIADA: “O Porto de D. Pedro IV”
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
22 Set 2018 | sab | 10:00


Com quase seis dezenas de participantes - “gente suficiente para fazer uma revolução liberal (!)”, nas palavras bem humoradas do Professor César Santos Silva –, decorreu na manhã de hoje mais uma Visita Guiada promovida pela Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos. “O Porto de D. Pedro IV” serviu de assunto a uma jornada de conhecimento e convívio que teve o seu início na Praça do Exército Libertador e terminou na Rua de Cedofeita. Ao longo de duas horas falou-se de D. Pedro IV, naturalmente, mas falou-se de muitas outras coisas também, ou um dos lemas do orientador da visita não fosse o de que “tudo tem a ver com tudo”.

Baptizado como Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, D. Pedro IV tem o seu nome ligado a alguns dos mais importantes acontecimentos políticos da vida portuguesa na primeira metade do século XIX. Nascido em Queluz em 12 de Outubro de 1798, filho do Rei D. João VI e de D. Carlota Joaquina, D. Pedro teve uma infância marcada pelo instável ambiente familiar e pelos acontecimentos sociais e políticos, desde os ecos da Revolução Francesa às ameaças napoleónicas, culminando na fuga da corte para o Brasil perante as invasões francesas, em 1807. Foi precisamente por aqui que esta verdadeira aula de história começou, encerrando com ela um convite aos presentes a que mergulhassem na sequência de momentos conturbados que se seguiram, como a proclamação da independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822, as duas coroas a que D. Pedro abdicou (e que até poderiam ter sido quatro, caso tivesse aceite as coroas de Espanha e da Grécia, que seriam suas por imposição sucessória) ou, sobretudo, o empenho pessoal do “apenas” Duque de Bragança na solução do tremendo conflito interno que se vinha a agudizar entre absolutistas e liberais desde que D. Miguel tomou conta do trono e rasgou, literalmente, a nova Carta Constitucional.

Numa sombra precária em manhã de autêntico Verão, fala-se então da expedição militar composta por menos de 7.000 homens, um terço dos quais mercenários, e que, dos Açores, chegará às costas portuguesas em 09 de Julho de 1832. São eles “os bravos do Mindelo”, uma incorrecção histórica já que o local do desembarque foi na praia do Pampelido da Memória, na freguesia de Lavra, concelho de Matosinhos e não no Mindelo, uma freguesia do concelho de Vila do Conde. Reposta a verdade – e depois de “pararmos” numa tasca de onde provinha um delicioso aroma a peixe frito, que saciou D. Pedro deixando-o farto mas que o levou a confessar estar falido … tendo o tasqueiro ficado f***** -, estamos pois em plena Praça do Exército Libertador (mas que será sempre o Carvalhido), percebendo que foi por aqui que as tropas liberais entraram na cidade - os miguelistas a cometerem um erro crasso já que, com os seus 80.000 homens, facilmente teriam esmagado a investida das tropas de D. Pedro, “cortando o mal pela raiz”. E se por aqui entraram, pela agora Rua 9 de Julho continuaram – e nós com eles - rumo ao coração duma cidade que os acolheu com desconfiança, como que adivinhando o cerco do Porto que viria a durar mais de um ano.

Pelo caminho vamos tomando contacto com o caos urbanístico que a própria Rua 9 de Julho personifica, a importância desta via que era a antiga estrada para Santiago de Compostela, as casas dos vareiros de Ovar, a profusão de quintas nobres que marcavam a paisagem duma zona profundamente rural, as fábricas que laboraram até há bem pouco tempo e as “ilhas” que em seu redor se instalaram, até a razão de ser de topónimos como a Ramada Alta, tomando como referência a distante torre dos Paços do Concelho. Mas fala-se igualmente na Quinta da Ana Esganada (onde, posteriormente, se rasgou o Hospital Militar) ou na “titoria” da Quinta das Águas Férreas, isto sem perder de vista as tropas de D. Pedro que, connosco, fazem este mesmo trajecto, encabeçadas agora pelo Batalhão Académico, o “teatral e muito vaidoso” Almeida Garrett ou o “cara-de-pau” Mouzinho da Silveira lado-a-lado com o sorumbático Alexandre Herculano ou com “o mais corrupto político português de sempre”, Costa Cabral. À esquerda, altaneiras, as torres da Igreja da Lapa parecem querer lembrar-nos que D. Pedro tem aí o seu coração. Até que entramos em Cedofeita!

Num Porto cercado e a viver momentos muito difíceis, a ordem entre os liberais estabelecia-se numa espécie de cidade-estado, sendo a sua “capital”, precisamente, esta Rua de Cedofeita. Era aqui que se concentravam os Ministérios e era aqui que estava alojado D. Pedro, depois duma curta estadia no Palácio dos Carrancas (actual Museu Nacional de Soares dos Reis). A importância desta artéria da cidade está patente nas suas casas e nas histórias que elas contam, os nomes de Felizardo Lima e de Carolina Michaëlis de Vasconcellos à cabeça. A visita está a chegar ao fim mas importa dizer que a cruel guerra civil terá os liberais como os grandes vencedores, o que redundará no exílio do rei absoluto e na reposição da Carta Constitucional lavrada por D. Pedro, provando, na plena medida, a sua pertinácia e dedicação à causa que encabeçou. Pouco mais viveria D. Pedro: só o tempo suficiente para ver as Cortes reunidas de acordo com a Carta, tendo falecido 4 dias após o começo do reinado de D. Maria II, em 24 de Setembro de 1834. Sobre aquele que ficou conhecido como “Libertador” ou “Rei Soldado” fica a certeza de que o seu nome é indissociável da experiência liberal portuguesa, que assinala o início do Portugal contemporâneo. Daí que as últimas palavras do historiador Professor César Santos Silva sejam de incentivo a que se procure saber mais sobre “o tremendo século XIX”. E porque as Visitas Guiadas não ficam por aqui, importa lembrar que a próxima terá lugar já no dia 14 de Outubro e levará os interessados à descoberta da Sinagoga do Porto. Informações e inscrições em geral@confrariacorposantomassarelos.pt.

domingo, 8 de abril de 2018

VISITA GUIADA: "Fora da Cidade, mas a contemplá-la"



VISITA GUIADA: “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”
Orientada por | Professor Joel Cleto
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
08 Abr 2018 | dom | 10:00


A Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo Professor Joel Cleto, intitulada “Fora da Cidade, mas a contemplá-la”. Pretexto para cruzar o rio e fazer um percurso pelas margens de Gaia, na (re)descoberta da lenda do Rei Ramiro e do Castelo de Gaia. Foram duas horas e meia de caminhada, conhecimento e convivência extraordinários para as perto de duas centenas de participantes, com muito de efabulado, maravilhoso, inventado, mas também com alguma coisa de verdade.

A primeira parte da visita passou ao lado da História, decorrendo nos trilhos da lenda e tendo como ponto de partida aquela figura exótica, de trombeta na mão, que encima as armas de Vila Nova de Gaia: Ramiro, precisamente. Tudo se passa no século X, numa altura em que o Douro era uma fronteira natural entre domínios cristãos, a norte, e mouros, a sul. Alboazer, senhor das terras que correspondem hoje a Gaia, e Ramiro, o Rei das Astúrias, mantinham uma trégua há já algum tempo quando o mouro, informado da ausência de Ramiro em terras da Gália, decide romper a trégua, arrasar o castelo de Ramiro e raptar-lhe a esposa, Gaia. Disposto a vingar a ofensa, Ramiro vai usar dum estratagema engenhoso para conquistar o castelo do mouro, até então inexpugnável, e resgatar Gaia. Mas nada disto é assim tão linear quanto parece e as coisas complicam-se, com uma lindíssima moura, um “Síndrome de Estocolmo” e uma cabeça decepada à mistura. São precisamente os deliciosos meandros da lenda - e das suas extensões, na origem dos topónimos Miragaia e Vila Praia de Âncora -, narrados de forma entusiástica nos locais onde (supostamente) a acção decorreu, que fizeram desta uma Visita Guiada inesquecível, de fruição e deleite.

Cruzando a lenda com a História, Joel Cleto ora evoca o cavaleiro D. Álvaro de Cernache, porta-estandarte da “Ala dos Namorados” em plena Batalha de Aljubarrota, ora recua a 820, quando em “campus stellae” é descoberto o sepulcro de Tiago, um dos discípulos de Cristo, para justificar um Ramiro disfarçado de peregrino. Ora lembra a criação dum “off-shore” para fugir aos impostos do Bispo do Porto, Vila Nova do Rei (mais tarde Vila Nova de Gaia), ora situa o morro do Castelo de Gaia como um lugar terrível em pleno cerco do Porto, aí se encontrando o principal canhão das tropas absolutistas a bombardear constantemente a cidade Invicta... e a ser bombardeado. Tempo ainda para se falar da Boa Passagem, local ideal para cruzar o Douro numa altura em que o edifício da Alfândega não era sequer projecto, das terríveis cheias em vésperas de Natal de 1909 e do castelo de Gaia, do qual não se encontraram vestígios nas muitas campanhas arqueológicas levadas a cabo até aos nossos dias.

Por vezes, a realidade consegue ser mais surpreendente do que a ficção e é precisamente isso que Joel Cleto faz questão de evidenciar, já na parte final desta visita. Futuro Ramiro II, rei das Astúrias, Ramiro é um jovem príncipe e um valoroso guerreiro quando se afirma como o primeiro líder cristão a estabelecer-se a sul do Douro, mais precisamente em Viseu, corre o ano de 926. Tal como em Gaia, a lenda de Ramiro está associada à história da cidade de Viseu e a tal figura exótica, com a trombeta, está igualmente presente no brazão da cidade beirã. Aquilo que é extraordinário é que Viseu tem, no seu território, a chamada Cava de Viriato, o maior monumento do género na Península, um imenso octógono de 32 hectares sobre o qual já se disse muita coisa – com lusitanos, romanos e muçulmanos à mistura. É aqui que surge Ramiro - e agora já não estamos no domínio da lenda.

Ramiro chega a Viseu, como se disse, aí se estabelecendo com a sua corte. Todavia, ele não sabe (nem pode saber) que, dentro de apenas cinco anos, o seu irmão abdicará da coroa e será ele o novo Rei das Astúrias. Para Ramiro, é um dado adquirido que a sua permanência em Viseu será longa e, portanto, há que investir na sua segurança, criando uma fortificação tão inexpugnável quanto possível, que o possa manter a salvo das investidas dos seus inimigos. Para um grande senhor, um príncipe de enorme prestígio, alguém que a si mesmo se designa por “Rex Portucalensis” (e note-se que, só mais de dois séculos depois, em 25 de Julho de 1139, nascia o Reino de Portugal e a sua 1ª Dinastia, com El-Rei Dom Afonso Henriques de Borgonha), é plausível a encomenda de tão grande empresa a quem detinha conhecimentos e meios adequados para a levar por diante: os árabes. É uma mera hipótese nos caminhos da História, mas uma hipótese, convenhamos, bastante tentadora!

sábado, 17 de março de 2018

VISITA GUIADA: "O Rei Carlos Alberto e o Porto"



VISITA GUIADA: “O Rei Carlos Alberto e o Porto”
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
17 Mar 2017 | sab | 10:00


Em nova iniciativa da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, decorreu esta manhã uma Visita Guiada orientada pelo Professor César Santos Silva ao encontro dos pontos que unem a cidade do Porto à figura do Rei Carlos Alberto. Num percurso que ligou a Praça de Carlos Alberto à Capela com o mesmo nome, nos Jardins do Palácio de Cristal, foi passada em revista a história do monarca, nascido em Turim, em 02 de Outubro de 1798 e que viria a terminar os seus dias no Porto, em 28 de Julho de 1849, após um curto exílio de 100 dias.

Afinal, quem foi Carlos Alberto? Como é que alguém que aqui viveu pouco mais de três meses conseguiu ficar tão intimamente ligado à história e ao património da cidade? Porque é que “caiu no gôto” dos portuenses? Ao encontro das respostas a estas e outras questões, o Professor César Santos Silva começou por relatar os factos históricos que fazem de Carlos Alberto – Carlo Alberto Emanuele Vittorio Maria Clemente Saverio di Savoia-Carignano, de seu nome completo –, Rei do Piemonte e da Sabóia, um homem na mó de baixo à sua chegada ao Porto. Tendo aderido às ideias inspiradas por uma Itália federada e livre dos Habsburgos, Carlos Alberto liderou as forças que levaram à primeira Guerra da Independência contra o Império Austro-Húngaro, acabando derrotado em Novara e abdicando do trono em favor do seu filho, Vittorio Emanuele. Obrigado a fugir do seu país, elege o Porto – cidade que personificava os ideais do liberalismo - como local de exílio, onde chega em 19 de Abril de 1849.

A sua presença na cidade torna-se num acontecimento de enorme relevância e o monarca é aclamado quase em histeria pelas multidões que o aguardam. Mas vem cansado, depois duma viagem ininterrupta de 29 dias, com início em Novara e que irá atravessar, sucessivamente, Vercelli, Ventimiglia, a francesa Côte d'Azur, Toulouse, Tarbes, Hendaye, Burgos, Valladolid e, finalmente, Portugal, onde entra pelo Norte do País. Mais do que cansado, vem doente e “a medicina da época não tem melhor remédio para lhe oferecer do que leite de cabra”. Hospedado no Palacete Visconde de Balsemão, na então hospedaria que pertencia ao espanhol Pexe, na Praça dos Ferradores (actual Praça de Carlos Alberto), podia dizer-se que Carlos Alberto vivia no “inferno”. À azáfama deste concorrido e ruidoso ponto de partida e chegada dos fluxos de viajantes e carga de e para o Norte, juntavam-se os sucessivos pedidos das elites para audiências, privando-o do tão necessário repouso. Daí que, ao cabo de 19 dias, Carlos Alberto se veja obrigado a encontrar novo poiso, quiçá mais tranquilo.

É ao encontro duma pequena casa na Rua do Triunfo – actual Rua D. Manuel II – que os participantes na visita guiada se dirigem entretanto. E porque, em história, “tudo tem a ver com tudo”, pelo caminho vão sendo feitas referências de ordem vária: ora se “visita” o Hospital de Santo António e o seu projecto de construção megalómano com assinatura do arquitecto inglês John Carr, ora se tecem considerações sobre o Palacete do Visconde de Vilarinho de S. Romão e a sua capela quinhentista, transformada hoje em bar da noite. Há referências a Abel Salazar - para o Professor César Santos Silva, “o mais completo homem do seu tempo” -, a Manuel Rosário, tio de Almeida Garrett e do qual a Rua do Rosário vai herdar o nome, ou ainda a Arthur Wellesley, o Duque de Wellington (“não confundir com Duke Ellington”), cuja estátua “é quase o mesmo que erigir uma estátua a Angela Merkel a agradecer a troika”. E não ficam para trás o Palacete do Visconde de S. João da Pesqueira, futuro Marquês de Távora (“esse mesmo, o do Marquês de Pombal e dos azares”), ou o Palácio dos Carrancas, actual Museu Nacional de Soares dos Reis, depois de inicialmente proposto para albergar um Hospital de Crianças.

Mas voltemos à Rua do Triunfo e à casa que Carlos Alberto virá entretanto a ocupar e na qual ficará alojado pouco mais de um mês. Porquê? Primeiro, porque tem apenas três divisões e se mostra exígua para o monarca e seu séquito; e, depois, porque a barulheira contínua, graças à chiadeira dos carros de bois a caminho de Matosinhos, o impede de repousar. É então que a família Pinto Basto, proprietária da Vista Alegre e com interesses em Inglaterra – de onde irá importar para o nosso país, em 1889, essa “excentricidade” chamada Foot-ball –, oferece ao monarca no exílio a sua quinta de recreio, a Quinta da Macieirinha (actual Museu Romântico), a troco da módica renda mensal de 600.000 reis. Carlos Alberto acaba por se instalar neste reduto de tranquilidade nas encostas do Douro, onde virá a falecer, como dissemos, em 28 de Julho de 1949. A título de curiosidade saiba-se que todo o mobiliário da Casa, ao tempo de Carlos Alberto, está agora no Museo Nazionale del Risorgimento Italiano, sediado no Palazzo Carignano, em Turim, sendo o mobiliário que se pode apreciar no Museu Romântico uma cópia exacta do original.

Após a morte do monarca, o seu corpo foi transladado para o Panteão dos Sabóia, em Itália. A sua meia-irmã, a princesa Frederica Augusta de Montheart, contudo, não esqueceu a cidade que acolheu Carlos Alberto nos seus últimos tempos de vida. Deslocando-se ao Porto, em 1854, mandou erigir uma capela em sua memória nos Jardins do Palácio de Cristal, evocativa de S. Carlos Borromeu, a qual ficou concluída em 1861 e é hoje local de culto da Igreja Luterana. Antes disso, em 1852, o Porto oferecia o nome de Carlos Alberto à Praça dos Ferradores, o qual se mantém (e manterá) vivo na toponímia da cidade. Fica assim concluída esta visita guiada de enorme interesse e valor histórico, restando apenas o conselho para ficarem atentos às iniciativas da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, a próxima das quais, já no dia 08 de Abril, orientada pelo Professor Joel Cleto, levará os participantes num percurso pelas margens de Gaia, na (re)descoberta da lenda do Rei Ramiro e do castelo de Gaia. A não perder!

domingo, 10 de dezembro de 2017

VISITA GUIADA: "Porto de Natal"



VISITA GUIADA: “Porto de Natal”
Orientada por | Professor César Santos Silva
Organizada por | Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos
09 Dez 2017 | sab | 18:00


A Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo Professor César Santos Silva e dedicada, desta vez, ao Natal de outrora na cidade do Porto. Da Praça de Carlos Alberto ao Largo dos Lóios, passaram-se a pente-fino os costumes e tradições ligados à festa da família, escutou-se o que dela disseram homens das letras e “provaram-se” as guloseimas de outrora e que subsistem até aos nossos dias.

Tempo de festa e de harmonia, o Natal é, com propriedade, denunciado como o tempo do consumo. E foi precisamente por aí que a Visita Guiada começou, numa espécie de preâmbulo, onde se lembrou Assis Carvalho e a sua afirmação, de 1907, de que “o Natal está a transformar-se numa festa consumista”. Esta associação entre Natal e consumo levou-nos ao primeiro ponto de paragem, em plena Rua de Cedofeita, uma das catedrais do consumo natalício do Porto de outros tempos. É precisamente aí, em frente ao já desaparecido Bazar dos Três Vinténs, hoje uma loja da cadeia Lefties, que se pode apreciar ainda o belíssimo painel de azulejo, desenhado em 1954 por Fernando Gonçalves e saído dos fornos da Fábrica Carvalhinho, em Vila Nova de Gaia. Prosseguindo pela Travessa de Cedofeita, antiga Viela do Açougue, lugar a uma breve paragem para recordar a extinta Casa do Pão de Ló de Margaride, marca registada de Leonor Rosa da Silva, Sucr., casa fundada em 1730 e “fornecedora da Casa Real e da Real e Ducal Casa de Bragança”. Pouco depois, já na antiga Praça de Santa Teresa (desde 1915, Praça Guilherme Gomes Fernandes), ficarmos a conhecer que era aqui que tinha lugar “a maior feira dedicada ao pão e ao centeio que o Porto conheceu” e para onde afluíam as regueifeiras de Valongo, as padeiras de Avintes ou as doceiras de Paranhos. Aqui também, António Ribeiro, neto dumas dessas mulheres de outrora ligadas ao pão e à doçaria, abriu a Padaria Ribeiro, a qual se mantém até aos dias de hoje.

Ainda no capítulo do pão e dos doces, um olhar sobre os Bolinhos de Jerimu, os formigos ou as rabanadas do Porto - pelas quais Ramalho Ortigão suspirava, considerando-as uma verdadeira instituição portuense; sobre “barrigas de freira”, “papos de anjo” ou “toucinho do céu”, designações com o seu quê de polémico numa cidade onde abundavam os Conventos; sobre o mel, cuja Feira Tradicional se realizava paredes-meias com a Igreja dos Clérigos e onde aquele produto era apregoado como “mel virgem para as paridas”, assegurando-se que fazia bem às parturientes; mas também sobre o Bolo Rei, nascido em França sob o nome de Galette des Rois, popularizado pela Confeitaria Nacional, em Lisboa e que chegou ao Porto em 1882, através da Confeitaria Cascais, mas somente para a festa de Reis”, esclarece o Professor César Santos Silva. Importa porém dizer que os primeiros passos do Bolo Rei foram tudo menos fáceis, de tal maneira a tradição do Pão de Ló se encontrava enraizada na Invicta. Entre as várias peripécias está uma que merece ser contada: Após a implantação da República, o Bolo Rei chegou a ser alvo duma petição para que o seu nome mudasse para Bolo Presidente. Hoje, este doce tradicional é uma instituição na cidade (e não só!), graças a Confeitarias como a Petúlia, Cunha, Costa Moreira, Nandinha ou a conceituada Tavi, na Foz do Douro.

Não menos importante que as doçarias será, porventura, o bacalhau e, a prová-lo, estão os números: Na Noite de Consoada, o mundo português come mais bacalhau que aquele que é consumido pelos restantes habitantes do planeta. Também aqui, a curiosidade de que o Bacalhau Cozido com Todos, típico da ceia de Natal, é uma “moda” relativamente recente, já que no tempo dos nossos bisavós se usava comê-lo assado ou guizado. Com tantas iguarias na noite de Natal, não espanta que Alberto Pimentel se referisse a ela como uma noite pantagruélica

Abreviando, esta foi também uma Visita Guiada onde se falou da ligação do Pai Natal (Santa Claus) ao original S. Nicolau, nascido em Patara, Anatólia, por volta do ano 270 d.C; de como a sua imagem actual radica nos contos de Washington Irving (o mesmo da “Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”) ou na “falta de imaginação” dum publicitário da Coca-Cola que resolveu “vesti-lo” de vermelho; da majestosa árvore de Natal no interior do Palácio de Cristal, há precisamente cento e cinquenta anos; da novidade, no dealbar do século passado, que foram os brindes no Bolo Rei da Confeitaria Oliveira e cujo valor era de meia-libra em ouro; dos alquilhadores e de Ruben A.; dos primeiros néons de Natal no Porto, corria o ano de 1956; dos postais de Natal, trazidos para Portugal, como sucedeu com tantas outras coisas, pela Colónia Britânica do Porto; da loja Flora Portuense e do seu proprietário, Aurélio da Paz dos Reis, realizador do primeiro filme português, “A Saída das Operárias da Fábrica Confiança”; da Capela dos Três Reis Magos, na extinta Rua de D. Pedro, comprada pela quantia de quatrocentos escudos e deslocada para a Pocariça, Cantanhede; ou de como Camilo Castelo Branco não gostava da forma como se cantavam as Janeiras. O final da visita, no Largo dos Lóios, foi como que um regresso ao ponto de partida e ao Natal como um tempo de consumismo. As últimas palavras lembrarão João Araújo Correia, um médico da Régua, “médico dos pobres”, que terá dito: “Muito come no Natal aquela cidade. Os comboios e os barcos levam tudo para lá.”