VISITA GUIADA: “Porto de Natal”
Orientada por | Professor César
Santos Silva
Organizada por | Confraria das
Almas do Corpo Santo de Massarelos
09 Dez 2017 | sab | 18:00
A Confraria das Almas do Corpo Santo
de Massarelos promoveu mais uma Visita Guiada orientada pelo
Professor César Santos Silva e dedicada, desta vez, ao Natal de
outrora na cidade do Porto. Da Praça de Carlos Alberto ao Largo dos Lóios, passaram-se a pente-fino os costumes e tradições ligados à festa da família,
escutou-se o que dela disseram homens das letras e “provaram-se” as guloseimas de outrora e que subsistem
até aos nossos dias.
Tempo de festa e de harmonia, o
Natal é, com propriedade, denunciado como o tempo do consumo. E foi precisamente por aí que a
Visita Guiada começou, numa espécie de preâmbulo, onde se lembrou
Assis Carvalho e a sua afirmação, de 1907, de que “o Natal está a transformar-se numa festa consumista”. Esta associação entre Natal e consumo levou-nos ao primeiro ponto de paragem, em
plena Rua de Cedofeita, uma das catedrais do consumo natalício do Porto de outros tempos. É precisamente aí, em frente ao já desaparecido Bazar dos Três
Vinténs, hoje uma loja da cadeia Lefties, que se pode apreciar ainda o
belíssimo painel de azulejo, desenhado em 1954 por Fernando Gonçalves e
saído dos fornos da Fábrica Carvalhinho, em Vila Nova de Gaia.
Prosseguindo pela Travessa de Cedofeita, antiga Viela do Açougue, lugar
a uma breve paragem para recordar a extinta Casa
do Pão de Ló de Margaride, marca registada de Leonor Rosa da Silva, Sucr., casa fundada em 1730 e “fornecedora da Casa Real e da Real e
Ducal Casa de Bragança”. Pouco depois, já na antiga Praça de
Santa Teresa (desde 1915, Praça Guilherme Gomes Fernandes), ficarmos
a conhecer que era aqui que tinha lugar “a maior feira dedicada ao pão
e ao centeio que o Porto conheceu” e para onde afluíam as
regueifeiras de Valongo, as padeiras de Avintes ou as doceiras de
Paranhos. Aqui também, António Ribeiro, neto dumas dessas mulheres
de outrora ligadas ao pão e à doçaria, abriu a Padaria Ribeiro,
a qual se mantém até aos dias de hoje.
Ainda no capítulo do pão e dos
doces, um olhar sobre os Bolinhos de Jerimu, os formigos ou as
rabanadas do Porto - pelas quais Ramalho Ortigão suspirava, considerando-as “uma verdadeira instituição portuense”; sobre
“barrigas de freira”, “papos de anjo” ou “toucinho do
céu”, designações com o seu quê de polémico numa cidade onde abundavam os Conventos; sobre o mel, cuja
Feira Tradicional se realizava paredes-meias com a Igreja dos
Clérigos e onde aquele produto era apregoado como “mel virgem para as paridas”, assegurando-se que fazia bem às parturientes; mas também sobre o Bolo Rei, nascido em França sob o
nome de Galette des Rois, popularizado pela Confeitaria Nacional, em
Lisboa e que
chegou ao Porto em 1882, através da Confeitaria Cascais, mas “somente para a festa de Reis”, esclarece o Professor César Santos Silva. Importa porém dizer
que os
primeiros passos do Bolo Rei foram tudo menos fáceis, de tal maneira a tradição do Pão de Ló se encontrava enraizada na Invicta. Entre as
várias peripécias está uma que merece ser contada: Após a
implantação da República, o Bolo Rei chegou a ser alvo duma
petição para que o seu nome mudasse para Bolo Presidente. Hoje,
este doce tradicional é uma instituição na cidade (e não só!),
graças a Confeitarias como a Petúlia, Cunha, Costa Moreira, Nandinha ou a conceituada Tavi, na Foz do Douro.
Não menos importante que as
doçarias será, porventura, o bacalhau e, a prová-lo, estão os
números: Na Noite de Consoada, o mundo português come mais bacalhau
que aquele que é consumido pelos restantes habitantes do planeta.
Também aqui, a curiosidade de que o Bacalhau Cozido com Todos, típico
da ceia de Natal, é uma “moda” relativamente recente, já que no
tempo dos nossos bisavós se usava comê-lo assado ou guizado. Com tantas iguarias na noite de Natal, não espanta que Alberto Pimentel se referisse a ela como “uma noite pantagruélica”
Abreviando, esta foi também
uma Visita Guiada onde se falou da ligação do Pai Natal (Santa
Claus) ao original S. Nicolau, nascido em Patara, Anatólia, por
volta do ano 270 d.C; de como a sua imagem actual radica nos contos
de Washington Irving (o mesmo da “Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”)
ou na “falta de imaginação” dum publicitário da Coca-Cola que resolveu “vesti-lo” de vermelho; da majestosa árvore de Natal no interior do Palácio de Cristal, há precisamente cento e cinquenta anos; da novidade, no dealbar do século passado, que foram os brindes no Bolo Rei da Confeitaria Oliveira e cujo valor era de meia-libra em ouro; dos alquilhadores e de Ruben A.; dos primeiros néons de Natal no Porto, corria o ano de 1956; dos postais de Natal, trazidos para Portugal,
como sucedeu com tantas outras coisas, pela Colónia Britânica do
Porto; da loja Flora Portuense e do seu proprietário, Aurélio da Paz dos Reis, realizador
do primeiro filme português, “A Saída das Operárias da Fábrica
Confiança”; da Capela dos Três Reis Magos, na extinta Rua de D.
Pedro, comprada pela quantia de quatrocentos escudos e deslocada para
a Pocariça, Cantanhede; ou de como Camilo Castelo Branco não
gostava da forma como se cantavam as Janeiras. O final da visita, no
Largo dos Lóios, foi como que um regresso ao ponto de partida e ao
Natal como um tempo de consumismo. As últimas palavras lembrarão João
Araújo Correia, um médico da Régua, “médico dos pobres”, que terá dito:
“Muito come no Natal aquela cidade. Os comboios e os barcos levam tudo para lá.”
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