TERTÚLIA: “Conversas Úteis”,
com João Tordo
Museu de Ovar
09 Dez 2017 | sab | 21:30
Continuando a apostar na
diversificação da oferta cultural da cidade, o Museu de Ovar trouxe
até nós o escritor João Tordo para um momento único de “conversas
úteis”. Mais uma oportunidade para conhecermos o homem e o
escritor, naquilo que tem de metódico e de racional no que à
escrita diz respeito, e que admitiu ter na preguiça um dos seus grandes defeitos. Carlos Nuno Granja foi, de novo, o moderador desta tertúlia,
naquela que constituiu a segunda presença do escritor entre nós,
uma vez que já nos tinha dado o prazer da sua companhia em 12 de
Abril de 2014, a propósito do romance “Biografia Involuntária dos
Amantes”. Entretanto, João Tordo teve a oportunidade de publicar
uma trilogia composta pelos romances “O Luto de Elias Gro” e “O
Paraíso Segundo Lars D”, ambos de 2015 e, já em Maio deste ano,
“O Deslumbre de Cecília Fluss”. Ora, foi precisamente este
último livro o pretexto para a presença do escritor entre nós na
noite de sábado. Conforme veremos, porém, nem só do “Deslumbre...”
se falou neste serão que se prolongou para lá da meia noite.
Perante uma plateia atenta,
conhecedora e interventiva, ainda que escassa em número, João Tordo
começou por se afirmar um “romancista” e por fazer a distinção
entre os romancistas e os escritores de outros géneros da
literatura. Para tal, socorreu-se duma parábola do antigo Japão,
segundo a qual “dois amigos caminham até ao Monte Fuji para comprovar
a sua grandiosidade. Finalmente chegados ao sopé, um dos amigos olha
para cima e, convencido da grandiosidade e imponência do Monte,
prepara-se para regressar. O outro, porém, não ficou convencido e,
enfrentando toda a sorte de desafios, escalou o Monte, só então se
rendendo à evidência”. “O romancista é aquele que sobe o monte”,
concluiu João Tordo, acrescentando que tal propósito perante os
livros implica “inteligência lenta e uma enorme resistência para
continuar a escrever romances”.
Para João Tordo, “os livros são
o momento”, admitindo que “se tivesse de voltar ao princípio das
coisas já não seria capaz de escrevê-las da mesma maneira”.
“Quando se fala de romances, fala-se de histórias; mas eu acho
que, mais do que histórias, deveríamos falar de vozes”, diz,
acrescentando que “escrever é deixar que todas as vozes que temos
dentro de nós venham ao de cima e falem”. Considerando que “temos
em Portugal literatura que é só linguagem e livros que são só
história, sendo estes os best-sellers, os que vendem”, João Tordo
vinca que “o mais difícil de alcançar é aquilo que está no
meio, o equilíbrio entre uma história que se quer contar e o domínio
da linguagem”. Já no período de perguntas e respostas, viria a
enunciar Afonso Cruz, David Machado, Gonçalo M. Tavares, Alexandra
Lucas Coelho, Patrícia Portela, o incontornável José Saramago e, “para mim o
maior de todos”, José Cardoso Pires, como exemplos de escritores
que conseguem alcançar este equilíbrio. João Tordo falou ainda do
Prémio Literário José Saramago, em 2009, um marco importante na
sua vida literária, um autêntico ponto de viragem em termos de
projeção e de livros vendidos (com as mãos faz um gesto que indica
que, se antes vendia “oito”, passou a vender “oitenta”), mas
também um Prémio que fez dele, demasiado de repente, uma figura
pública, para a qual não estava preparado.
Mas porque “O Deslumbre de Cecília
Fluss” era o pretexto para estarmos ali, o romancista levantou uma
pontinha do véu e confidenciou que “o eixo da história é um tio,
Elias – “que não é o Elias Gro do primeiro livro da trilogia” -, um
tipo enlouquecido que vive com dois cães, o Vivo e o Morto e que tem
um hamster chamado Coma. Elias tem uma relação muito forte com o
sobrinho, de 14 anos, e que é o narrador desta história. As partes
em que o livro toca a relação entre tio e sobrinho são as partes
emocionais do livro”. Não deixa de ser curioso que o livro abra
com a citação “pequena é a parte da vida que vivemos”, de
Séneca, e que motiva uma última reflexão: “É fácil fugir ao
caminho. O Facebook e o Futebol são coisas que fazem parte da vida,
mas não são fundamentais. Se lhes damos demasiada importância,
corremos o risco de passarmos a vida na periferia daquilo que ela
deveria ser. É por isso que digo a mim mesmo que a vida é curta e
que um dia vou morrer. E eu, que sou estóico, lá volto para a
secretária de regresso à escrita, em vez de ficar para ali a ver o
Trio de Ataque”.
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Nascido em Lisboa em 28 de Agosto de
1975, João Tordo formou-se em Filosofia pela Universidade Nova de
Lisboa e estudou Jornalismo e Escrita Criativa em Londres e Nova
Iorque. Estreou-se na escrita em 2004 com o romance “O Livro dos
Homens Sem Luz”, tendo sido galardoado com o Prémio Literário
José Saramago 2009 com “As Três Vidas”, o seu terceiro romance,
publicado no ano anterior. Da lista de livros publicados em 14 anos
de dedicação à escrita, fazem parte ainda “Hotel Memória”
(2007), “O Bom Inverno” (2010), “Anatomia dos Mártires”
(2011), “O Ano Sabático” (2013) e “Biografia Involuntária dos
Amantes (2014), para além dos livros da trilogia anteriormente
mencionados.
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