LIVRO: “Hoje estarás comigo no
paraíso”,
de Bruno Vieira Amaral
Ed. Quetzal Editores, Abril de 2017
É difícil catalogar “Hoje Estarás
Comigo no Paraíso”, de tal forma se constitui numa imensa
parábola bíblica sobre a condição humana. A sua dimensão
espiritual não se resume ao título, antes se espalha pelas páginas
do livro, recuperando histórias da Bíblia, citando as Escrituras ou
transpondo um certo imaginário religioso para as personagens, elevando-as
aos céus num sopro de redenção ou, mais frequentemente, fazendo-as
perigar à beira do abismo, até se perderem irremediavelmente numa
eternidade feita de trevas e ranger de dentes. É um livro que nos
leva por caminhos insondáveis, ao encontro de pessoas, lugares,
acções que, sendo de outros, são nossos também. Um livro que nos
confronta com aquilo que temos de mais obscuro, de mais dificilmente
explicável e em relação ao qual as respostas se fundam no domínio
da fé.
Partindo dum todo, “Hoje Estarás
Comigo no Paraíso” é um livro que se vai fechando sobre si mesmo,
até resumir o seu universo ao de uma figura apenas, Bruno Vieira
Amaral, ele próprio, autor e narrador do livro. É este o desfecho dum
projeto baseado na investigação da morte dum primo, João Jorge
Rego, barbaramente assassinado numa noite de Fevereiro de 1985, tinha
o escritor 6 anos de idade. Um livro que bascula entre o real e a ficção, fundindo frequentemente ambos os conceitos. E também um livro que é como uma liturgia, ao
transpor para o momento presente um ritual de entrega e sacrifício
para a salvação da Humanidade. Na qual o autor se inclui. E nós
com ele!
“Hoje Estarás Comigo no Paraíso” é uma “via dolorosa”, a qual Bruno Vieira Amaral aceita percorrer, apesar da dúvida (“Estaria
preparado para os obstáculos e, acima de tudo, para as revelações
que haveriam de surgir com o tempo?”, interroga-se o autor a
páginas tantas). Dos primeiros anos num bairro da Margem Sul - Sodoma e Gomorra dum tempo hoje - às hortas a
caminho da Vila Chã, onde João Jorge foi morto, é todo um caminho
de duras revelações que vai sendo trilhado. Vertendo para o romance
o fruto duma memória prodigiosa (ou será esta memória apenas uma
“engenhoca”, a parte ficcionada dum trabalho exaustivo de
investigação e pesquisa?), o escritor caracteriza, com detalhe de
retratista, um universo de personagens bem reais, visitando
lugares que acabarão por se estender muito para além das margens do bairro e que irão desembocar numa Angola em permanente convulsão.
Em busca da redenção, as revelações serão como açoites, os
espinhos cravar-se-ão cada vez mais fundo na carne. Mais forte do que todas as dúvidas, restará, no
final, uma certeza. Caberá ao leitor entende-la e acreditar nela!
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