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sábado, 9 de dezembro de 2017

LIVRO: "Hoje Estarás Comigo no Paraíso"




LIVRO: “Hoje estarás comigo no paraíso”,
de Bruno Vieira Amaral
Ed. Quetzal Editores, Abril de 2017


É difícil catalogar “Hoje Estarás Comigo no Paraíso”, de tal forma se constitui numa imensa parábola bíblica sobre a condição humana. A sua dimensão espiritual não se resume ao título, antes se espalha pelas páginas do livro, recuperando histórias da Bíblia, citando as Escrituras ou transpondo um certo imaginário religioso para as personagens, elevando-as aos céus num sopro de redenção ou, mais frequentemente, fazendo-as perigar à beira do abismo, até se perderem irremediavelmente numa eternidade feita de trevas e ranger de dentes. É um livro que nos leva por caminhos insondáveis, ao encontro de pessoas, lugares, acções que, sendo de outros, são nossos também. Um livro que nos confronta com aquilo que temos de mais obscuro, de mais dificilmente explicável e em relação ao qual as respostas se fundam no domínio da fé.

Partindo dum todo, “Hoje Estarás Comigo no Paraíso” é um livro que se vai fechando sobre si mesmo, até resumir o seu universo ao de uma figura apenas, Bruno Vieira Amaral, ele próprio, autor e narrador do livro. É este o desfecho dum projeto baseado na investigação da morte dum primo, João Jorge Rego, barbaramente assassinado numa noite de Fevereiro de 1985, tinha o escritor 6 anos de idade. Um livro que bascula entre o real e a ficção, fundindo frequentemente ambos os conceitos. E também um livro que é como uma liturgia, ao transpor para o momento presente um ritual de entrega e sacrifício para a salvação da Humanidade. Na qual o autor se inclui. E nós com ele!

“Hoje Estarás Comigo no Paraíso” é uma via dolorosa, a qual Bruno Vieira Amaral aceita percorrer, apesar da dúvida (“Estaria preparado para os obstáculos e, acima de tudo, para as revelações que haveriam de surgir com o tempo?”, interroga-se o autor a páginas tantas). Dos primeiros anos num bairro da Margem Sul - Sodoma e Gomorra dum tempo hoje - às hortas a caminho da Vila Chã, onde João Jorge foi morto, é todo um caminho de duras revelações que vai sendo trilhado. Vertendo para o romance o fruto duma memória prodigiosa (ou será esta memória apenas uma “engenhoca”, a parte ficcionada dum trabalho exaustivo de investigação e pesquisa?), o escritor caracteriza, com detalhe de retratista, um universo de personagens bem reais, visitando lugares que acabarão por se estender muito para além das margens do bairro e que irão desembocar numa Angola em permanente convulsão. Em busca da redenção, as revelações serão como açoites, os espinhos cravar-se-ão cada vez mais fundo na carne. Mais forte do que todas as dúvidas, restará, no final, uma certeza. Caberá ao leitor entende-la e acreditar nela!

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